Entradas no Ano Novo
Questionam-me sobre a passagem de ano. Com franqueza transmontana, respondo: em casa, recolhido e encolhido, fechado e deitado, esperando que as asas do sono me poupem à indigência da programação televisiva e à euforia induzida pela tradição histriónica da celebração. Sou pouco dado a alegrias obrigatórias e calendarizadas. Acho até que os tempos recomendam a ponderação do exemplo de um amigo meu que faz questão de transitar de ano na retrete, despedindo o ano findo com introspectiva reflexão sobre a sua vida pretérita e recebendo o ano novo com espasmos de alívio, prenuncio de prosperidades e venturas. Não me atrevo a sugerir que este comportamento seja assumido pela generalidade dos portugueses que pagam impostos, vivem nas periferias, integram as listas de espera dos hospitais, aguardam decisões judiciais há anos sem fim, veem os filhos frequentarem escolas sem condições e com professores desinteressados e ausentes, são maltratados pelos serviços públicos. Com a sabedoria de muitos anos passados agachado e em esforço, recorda esse meu amigo uma verdade que diz ser intemporal: não há maior sinal de esperança do que a evacuação em aperto. Por isso, afirma convicto que o voto necessário para o ano nascituro é a sucumbência do aperto sobredito. Por decoro não prosseguirei nesta senda e não aconselharei os Portugueses a adoptarem o exemplo apontado, achegandose às sanitas quando o ano fenecer e delas só se levantando após a alvorada do vindouro. Aliás, o decesso deste ano de apertos e contracções, que rematou as cólicas dos anos transactos, permitiu ao Dr. Centeno anunciar ao País as boas novas do controlo do défice público e do alívio que se registará em 2019. Aliviemos, pois. Estes os meus votos sinceros e amigos.
O autor opta por escrever de acordo com a antiga ortografia