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‘Avô Benfica’

- JOÃO MALHEIRO Jornalista

Há quem me chame lírico ou mesmo ingénuo. Há quem me chame, mitigadame­nte, romântico. Tudo porque assumo, sem tibiezas, que o meu património afetivo é muito mais valioso que o meu património material. Procuro amar pessoas para usufruir de coisas, rejeito amar coisas para usufruir de pessoas. O meu alicerce emocional sofreu um enorme rombo. O Ângelo morreu, acompanhei os últimos momentos da sua vida. Estava mesmo na residência do eminente ícone do Benfica, quando foi declarado o óbito. Guardarei, com veneração evangélica, a fotografia que tirámos, a última dele em vida. Participei nas cerimónias fúnebres. Com pouca, muito pouca companhia. Num momento de dor, a dor foi ainda maior. O quadro deprimente expressa bem a desumaniza­ção impetuosa a que se assiste na sociedade. Até o Benfica, que o Ângelo tanto dignificou, mais não fez do que proceder à praxe mínima, assim como quem cumpre uma mera formalidad­e.

Ele era o mais antigo internacio­nal português vivo. No dia seguinte à cremação, Portugal defrontou a Suécia em Alvalade. A Federação Portuguesa de Futebol esqueceu-se de observar o esperado minuto de silêncio. Foi a vergonha na sua máxima e deplorável expressão. Nascido na cidade do Porto, ao pé do velho Estádio das Antas, o Ângelo é o único bicampeão europeu natural da Invicta. Lisboa é a minha pátria, o Porto é a minha mátria. Há anos que me repetia essa frase com incontido orgulho. Alguma referência da edilidade nortenha à sua partida? Nem o mais pequeno vestígio.

Treinador dos escalões de formação, pela oficina do Ângelo passaram, entre outros, Artur Correia, Humberto Coelho, Eurico Gomes, Bastos Lopes, Alberto, Vítor Martins, João Alves, Shéu, Nené, Jordão ou Chalana. Até Fernando Santos, atual selecionad­or. Foi também por isso que me comovi no adeus ao ‘Avô Benfica’.

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