Diário de Notícias

Recordaçõe­s dolorosas para quem tenta viver com a perda e... a saudade

Quase todos se conheciam nestes pequenos bairros alentejano­s. Os momentos que antecedem os funerais estão a ser vividos com grande comoção

- LU Í S GODINHO E LU Í S F ONTES

O caso da jovem mãe que morreu com a filha de dois anos ao colo, a recordação de como ela se dedicava aos pais, que já tinham perdido um filho, está a causar grande consternaç­ão. Liliana Rijo, de 35 anos, morreu no local do acidente. Junto à Igreja do Bairro dos Assentos, em Portalegre, dezenas de pessoas esperam a chegada do caixão de Liliana Rijo. Morreu protegendo a filha. “Já está junto do anjinho do irmão”, diz Cecília Rijo, lembrando que André, irmão de Liliana, morreu há quase 9 anos vítima de leucemia. Numa década, o casal Martins perde os dois filhos.

Liliana viajava na companhia dos pais ( Carlos e Maria José Martins, gravemente feridos), do marido e das duas filhas. Jerónimo e a filha mais nova, Filipa, saíram do acidente sem ferimentos graves. A mais velha, Daniela, 13 anos, permanece internada em Coimbra, tal como os avós. “De um momento para o outro, a família ficou destruída, os pais perderam os dois filhos”, lamenta Cecília Rijo. Liliana, tal como toda a família, cresceu no Bairro dos Assentos onde conheceu o marido. É lá a casa dos pais, “gente afável”, diz Manuel Oliveira, dono da pastelaria onde a excursão se organizara. No sábado, Liliana esteve com os pais e a filha mais nova no café do Centro Comercial dos Assentos. “Vi- a crescer”, conta João Batista. “São recordaçõe­s muito dolorosas”, refere. Quem a conhecia desde criança lembra a “pessoa afável” e “muito ligada à família”. “Dizia que vivia para ajudar os pais e as filhas”, recorda uma antiga colega de escola. O pai, Carlos Martins, é militar reformado, vítima duma mina na Guerra do Ultramar. Amãe, contam os vizinhos, “sofreu um pequeno AVC” há uns anos. “Era a Liliana que cuidava deles”, diz Isaura Lopes à porta da igreja do bairro, de onde, hoje, sairá o funeral de Liliana.

“Não é justo”

Manuel Salvador, 63 anos, caminha pela vila de Assumar, chora a morte da sua mulher, Jacinta Félix, de 52. “Quando abri os olhos, vi- a. Vinha do lado da janela e foi projetada. Fui ter com ela, estava viva. Pedi ajuda mas morreu a caminho de Coimbra”, diz. “Levei mais de trinta pontos na cabeça. Tenho o corpo todo pisado, mas há coisas que doem mais.” É hoje o funeral da mulher com quem casara há 18 anos. Dois filhos de Jacinta, de 25 e 29 anos, de uma relação anterior, viajaram da Inglaterra para as exéquias da mãe. “Depois do funeral vou- me embora. Nada me prende aqui. Não consigo estar numa casa sem ela”, justifica, ao recorda o acidente: “Ouvi o motorista gritar e depois a camioneta começou a deslizar e a rebolar. Estava a chover e ele vinha com muita velocidade”, afirma Manuel Salvador. Josefa era querida nesta pequena vila alentejana agora de luto. “Ela trabalhava num centro para crianças deficiente­s. Estava sempre pronta a ajudar e acabou assim. Não é justo”, remata Manuel sempre em lágrimas.

Café em silêncio

No café do Centro Popular dos Trabalhado­res de São Cristóvão ( Portalegre), faz- se silêncio sempre que há imagens do acidente na TV. “Conhecíamo­s quase todos, mas um casal que morreu vinha aqui muita vez ao Centro. O casal é Agostinho e Zulmira dos Santos. Vinham sempre aqui tomar café e jogar dominó. Foi um golpe muito grande”, diz João Félix , amigo do casal. Ali, ainda está visível o anúncio da excursão ao maior presépio do mundo em Santa Maria da Feira.

Um idoso olha para o cartaz fixamente e recorda o amigo. “O Agostinho não gostava de excursões. Foi a primeira vez para fazer a vontade à mulher e morreram os dois.” Dá uma baforada no cigarro, sai do centro, nem mais uma palavra. António Buxo recorda os mortos, “pessoas boas”, mas não esquece os vivos. “Tenho dois primos feridos e não sei onde estão. Estou farto de telefonar para a Maria Maia Crespo e para o José Maia Baião e não me atendem.” Diz os nomes completos, em busca de uma resposta. Hoje o centro ficará vazio na hora dos funerais.

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