Diário de Notícias

Tribunal devolve 10 mil euros a Marçal em cheque careca

Casa Pia. Advogado, arguido no caso de pedofilia, foi notificado para reaver a caução imposta pelo juiz em 2003 em troca da liberdade. Mas o banco informou- o de que a conta estava vazia

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Detido a 31 de janeiro de 2003 por suspeita de envolvimen­to no caso de pedofilia da Casa Pia, Hugo Marçal acabou por ficar em liberdade em troca de uma caução de dez mil euros e apresentaç­ões periódicas na PSP de Elvas. Passados mais de dez anos, a juíza que preside ao coletivo, entendendo que deixou de haver perigo de fuga, ordenou a devolução do dinheiro ao arguido. Mas, ontem à tarde, quando se apresentou na agência da Caixa Geral de Depósitos ( CGD) de Moscavide para levar o dinheiro, o advogado de Elvas soube que a conta indicada no precatório cheque emitido pela 8. Vara Criminal de Lisboa, onde decorre o processo, estava vazia. E regressou sem dinheiro a Oliveira do Bairro, onde reside. Entretanto, o Ministério da Justiça j á explicou que tudo não passou de um equívoco.

Data do início de dezembro o despacho da juíza Ana Peres a autorizar a devolução da caução de dez mil euros. Esta verba foi depositada numa conta da CGD em 24 de outubro de 2003, embora a medida de coação imposta pelo juiz de instrução criminal, Rui Teixeira, seja de 1 de fevereiro daquele mesmo ano. No dia anterior, 31 de janeiro, Hugo Marçal, juntamente com Carlos Cruz e Ferreira Diniz, tinham sido detidos pela Polícia Judiciária ( PJ) por suspeita de envolvimen­to no caso de pedofilia com alunos da Casa Pia de Lisboa. Apenas Hugo Marçal pôde regres- sar a casa após a detenção. Os outros dois arguidos ficaram em prisão preventiva. Mas, em troca da liberdade, teve de depositar os dez mil euros, ficando também obrigado apresentar- se aos sábados numa esquadra da PSP, em Elvas.

Mas, a liberdade de Marçal duraria apenas até 5 de maio. Nessa data voltaria a ser detido e já não regressari­a a casa. Em vez disso foi conduzido ao Estabeleci­mento Prisional de Lisboa ( EPL) em regime de prisão preventiva.

Entretanto, o advogado de Elvas recorreu daquela decisão de Rui Teixeira a quem tinha chamado de “camelo” numa conversa telefónica intercetad­a pela PJ antes da segunda detenção. Conversa que o magistrado fez questão de lhe mostrar antes de o enviar para o EPL. Hugo Marçal ganhou o recurso e Rui Teixeira teve de o ouvir novamente, por, segundo o Tribunal Constituci­onal ( TC), não lhe ter proporcion­ado todos os meios de defesa durante o primeiro e segundo interrogat­órios.

Assim, no seguimento da decisão do recurso, a 15 de outubro Hugo Marçal é detido dentro da própria prisão e levado frente a Rui Teixeira, que, depois de um interrogat­ório de três dias, o mandou em liberdade. Mas, a caução de dez mil euros foi novamente imposta, tal como as apresentaç­ões periódicas. A quantia foi depositada a 24 de outubro na CGD.

Passados quase dez anos, e desconhece­ndo ainda Hugo Marçal se vai ser ou não condenado pelos crimes de que é acusado, alegada-

Advogado de Elvas vai receber 184 euros de juros ao fim de dez anos

mente cometidos em Elvas, a juíza Ana Peres deferiu o requerimen­to do arguido a solicitar a devolução da caução por já não se verificar o perigo de fuga.

Hugo Marçal saiu ontem de Oliveira do Bairro, onde agora reside, com o objetivo de levantar o precatório cheque na secretaria do tribunal e depois ir ao banco sacar o dinheiro. Mas não aconteceu.

Segundo explicaçõe­s do Ministério da Justiça, a secretaria da 8. ª Vara ignorou um ofício datado de outubro de 2009 em que se lembrava que, desde fins de 2006, todos os depósitos obrigatóri­os feitos até 31 de dezembro de 2003 em contas da CGD, à ordem dos tribunais, tinham sido transferid­os para as contas do Instituto de Gestão Financeira e Infraestru­turas da Justiça ( IGFIJ). Ou seja, os precatório­s cheques haviam desapareci­do dando lugar aos documentos únicos de cobrança ( DUC). Os tribunais passaram a enviar estas guias ao IGFIJ para que este pague o que tiver de ser pago, nomeadamen­te o retorno das cauções. Antes, o tribunal passava o precatório cheque para ser levantado no banco. Ou seja, os tribunais deixaram de ter contas à sua ordem na CGD e os juros do dinheiro passaram reverter para o IGFIJ e não para os arguido. Assim, Hugo Marçal irá receber juros, mas só os vencidos até à data em que a caução passou da CGD para o IGFIJ, o que soma, sabe o DN, 10 184,66 euros.

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O precatório cheque foi carimbado com a informação “sem saldo”

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