Incêndio na Kiss levanta dúvidas para Mundial e JO
tem condições de levar o consolo e o conforto espiritual que desejamos a todos os familiares e ao povo santa- mariense, gaúcho e brasileiro”, dizia o comunicado da direção da discoteca, divulgado domingo à noite.
Santa Maria e outras cidades da região começaram ontem a enterrar os seus mortos, no meio de lágrimas e de desespero. A maioria das vítimas eram jovens estudantes universitários. A médica legista da região confirmou que 90% morreram asfixiadas. Um dos socorristas contou que retirou cerca de 180 corpos da zona das casas de banho, para onde muitos jovens fugiram ao pensar que estariam a ir em direção a uma saída de emergência. “Foram cinco vezes que o camião foi utilizado para retirar esses corpos para trazer para fazer o reconhecimento. A cena é muito triste”, afirmou o capitão Edi Paulo Garcia, da Brigada Militar.
Nos hospitais da região, há ainda 121 feridos, sendo que cerca de 80 encontram- se em estado crítico. Os habitantes locais fazem filas para doar sangue. Segundo o ministro da Saúde brasileiro, Alexandre Padilha, 20% dos feridos tiveram queimaduras consideradas graves, que correspondem a mais de 30% do corpo. As autoridades brasileiras pediram apoio aos bancos de pele argentino, uruguaio e peruano, que já confirmaram doações para as unidades de queimados. O único estrangeiro vítima do incêndio era paraguaio e o seu corpo já foi repatriado. SEGURANÇA A tragédia na discoteca Kiss levantou dúvidas sobre a segurança dos espaços públicos no Brasil, que em 2014 recebe o Mundial de futebol e, dois anos depois, os Jogos Olímpicos. Contudo, responsáveis de ambas as organizações já vieram afastar qualquer ligação entre os eventos.
“O que aconteceu foi a coisa mais horrível que podia acontecer. Dito isto, não tem nada a ver com a segurança nos estádios durante a Taça das Confederações [ de 15 a 30 de junho, em Brasília] e o Mundial de 2014”, afirmou o secretário- geral da Federação Internacional de Futebol ( FIFA), Jérôme Vlacke. “Temos um plano de emergência para evacuar um estádio inteiro no espaço de oito minutos”, acrescentou. Ontem estava prevista uma cerimónia no estádio de Brasília para assinalar que faltam menos de 500 dias para a prova, mas foi cancelada.
Por seu lado, o Comité Olímpico Internacional ( COI) assegurou não ter qualquer dúvida sobre a segurança dos Jogos de 2016. “Não duvidamos de que o Rio 2016 saberá oferecer um ambiente seguro aos fãs, atletas e pessoas que trabalham para os Jogos”, afirmou o COI num comunicado. Débora Mello da Silva, de 23 anos, e o namorado, Emerson Cardozo, que faria 25 anos na quinta- feira, festejavam na discoteca Kiss o facto de terem conseguido um emprego juntos, numa pizaria de Santa Maria. “Ele disse que seria a festa em que ele pagaria tudo e ele estava muito feliz com isso”, contou Débora à Folha de S. Paulo. O namorado não saiu com vida da discoteca. O seu corpo foi encontrado na casa de banho.
“A gente não estava de mãos dadas, como a gente sempre andava. Nem sei se resolveria, porque era umasaída só. Teve gente pisoteada. Eu mesma fiquei em cima de um monte de gente”, acrescentou. “Ainda não caiu a ficha. Já o vi morto, mas ainda não acredito. Não sei o que espero a partir de agora. A gente brigava, ficava meses separado, mas ele estava aqui. Agora, separou de vez.” “Foi uma merda sair por uma porta de no máximo dois metros e ainda com uma mesa atravessada e todos aqueles corrimões atravessados no meio do caminho. Não vi alarme soando, só gritos, não vi luz de saída, só fumaça”, escreveu Ezequiel Corte Real no seu Facebook, citado pelo jornal O Globo.
O personal trainerde 23 anos faz o relato da tragédia e conta como ajudou a retirar várias pessoas do interior da discoteca. “Quando saí me passou na cabeça as pessoas que passei por cima e voltei para retirá- las pois não aguentava escutar berros, ver polícias e bombeiros sem dar conta, porque tinha muita gente empilhada. Quando entrei tinha que escolher quem salvar”, acrescentou. “Vi muitos corpos, não sabia mais o que fazer, perdi forças porque vi gente pendurada A estudante de Engenharia Civil, Ana Paula Muller, contou à AFP que na “hora do pânico ninguém pensa nos outros”. A jovem de 19 anos explicou que quando estava a fugir viu pessoas a cair, mas não teve reação para as ajudar. “Um amigo que estava connosco conseguiu sair, mas teve um ataque cardíaco e não resistiu”, disse. “Olhei para o teto e vi que havia um incêndio, foi tudo muito rápido. Eu dizia que o teto estava pegando fogo, mas ninguém acreditava, ninguém me dava atenção. Saí correndo, não ajudei nem a minha amiga, não olhei para trás e consegui sair”, contou Rocheli Brondani, de 23 anos, à AFP. “No começo não parecia tão horrível. Quando consegui sair, estava mais tranquilo, só havia gente se empurrando, mas, depois, ninguém conseguia sair”, acrescentou. “Os primeiros a sair tentavam puxar quem estava lá dentro. Apareciam mãos, braços na porta entre a cortina de fumaça. Puxamos várias pessoas. Eu, inclusive, puxei uma guria pelos cabelos. Foi um caos, o maior desespero”, contou o estudante de medicina, Murilo de Toledo Tiecher, ao jornal Zero Hora. O jovem contou que os seguranças não perceberam o que estava a acontecer. “Agente gritou ‘ tá pegando fogo, tá pegando fogo’, mas o segurança abriu os braços e estava tentando manter a porta fechada. Uns cinco ou seis caras derrubaram o segurança e colocaram a porta abaixo. Era a única saída”, acrescentou.