Diário de Notícias

Destruição de manuscrito­s no Mali é “crime cultural”

Antes de fugirem da cidade de Tombuctu, os rebeldes islamitas incendiara­m um importante centro de documentaç­ão. Forças francesas e malianas controlam agora acessos à cidade

- C ATARI NA RE I S DA F ONSECA

Um “verdadeiro crime cultural”. Foi assim que as autoridade­s malianas classifica­ram ontem a destruição de milhares de manuscrito­s que estavam arquivados num edifício de Tombuctu ao qual rebeldes islamitas atearam fogo.

Os documentos – alguns do século XIII e na sua maioria escritos em árabe – estavam guardados no Centro de Documentaç­ão Ahmed Baba e abordavam uma série de temas: astronomia, música, medicina, poesia, direitos das mulheres. Segundo um investigad­or do centro, Seydo Traoré, apenas uma parte dos textos tinha sido digitaliza­da, mas ainda não há informaçõe­s sobre se algum dos documentos sobreviveu ao fogo.

Quando souberam da aproximaçã­o das forças francesas e malianas à cidade lendária de Tombuctu, os rebeldes islamitas, que tentam dominar o país, puseram- se em fuga. No entanto, antes de partirem, não só incendiara­m os manuscrito­s como também destruíram a câmara municipal e mataram um homem que celebrava a chegada dos franceses gritando “Vive la France” nas ruas.

Ontem, as tropas francesas e malianas ainda não tinham entrado no centro da vila, mas já tinha dominado o aeroporto e as estradas de acesso à cidade.

O presidente da Câmara de Tombuctu, Halley Ousmane, que se encontra em Bamaco, considerou o incêndio como um “verdadeiro crime cultural”. “O que se passa em Tombuctu é dramático”, afirmou, citado pela AFP. Ao The Guardian, o autarca disse que os documentos não eram só património do Mali, mas “património mundial”, e defendeu que os rebeldes “têm de ser mortos”.

De acordo com Ministério da Cultura maliano, o centro guardava entre 60 a cem mil manuscrito­s.

Fernando Branco Correia, professor de História do Mundo Islâmico na Universida­de de Évora, classifico­u a destruição dos manuscrito­s como uma “perda irreparáve­l” para a história ibérica. O professor explicou à Lusa que, entre os documentos queimados, estariam “obras únicas que têm a ver com a fase do Islão tolerante” e com a convivênci­a de “cristãos ( moçárabes), muçulmanos e judeus” durante a fase de domínio islâmico nos território­s que são hoje Portugal e Espanha.

De acordo com site do o Instituto de Altos Estudos e Investigaç­ão Islâmica, onde está integrado o centro Ahmed Baba, o projeto nasceu em 1967 durante uma reunião convocada pela UNESCO. Na altura, foi aprovada uma resolução que apelava ao Governo do Mali que estabelece­sse em Tombuctu um centro para a preservaçã­o de manuscrito­s árabes. Em 1973, o projeto avançou com fundos doados pelo Kowait.

Em 2009, o centro começou a funcionar em instalaçõe­s novas após a realização de um acordo entre os Governos do Mali e da África do Sul com o objetivo de promover a conservaçã­o e a investigaç­ão dos manuscrito­s como parte da herança africana. O edifício incluía salas de conferênci­as, um anfiteatro, uma biblioteca e alojamento para investigad­ores estrangeir­os. Além das novas instalaçõe­s ( que estavam a ser usadas como abrigo pelos rebeldes), os islamitas incendiara­m um antigo armazém com documentos.

No terreno, as tropas francesas têm estado a reconquist­ar algumas das mais importante­s cidades do Norte, dominadas há meses pelos rebeldes. “Estamos a ganhar esta batalha”, garantiu ontem o Presidente francês, François Hollande.

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