Caminho da abnegação não significa ausência de sensibilidade cultural
Olhar para a prelatura com normalidade, respeitar as práticas seguidas pela organização e não formular juízos de valor é o lema do vice- reitor da Universidade Católica Portuguesa, Tolentino Mendonça, que fez questão de salientar o papel dos leigos na Igreja Católica no debate ontem realizado, que encerrou a Grande Investigação DN. E neste ponto o Opus Dei recebeu uma palavra de enorme reconhecimento por parte de Tolentino Mendonça: “No Opus Dei há dois aspetos que parecem proféticos: um é o grande papel dos leigos, e outro o da valorização do mundo.”
No âmbito do respeito e da aceitação dos diversos movimentos católicos, o vice- reitor da Universidade Católica Portuguesa não contestou a designação de “inspiração divina” que o Opus Dei atribui à sua fundação. E justificou: “Não tenho dúvidas de que Deus inspira a História, os nossos atos. Estes movimentos são comunidades de Deus, de escuta das suas palavras, são inspirados por Deus a fazer alguma coisa.”
A relação do cristianismo com a cultura é algo que Tolentino Mendonça considerou “vital”. E o facto de existir uma lista de publicações que o Opus Dei proíbe os seus membros de ler – livros do prémio Nobel José Saramago estão no rol – é, de certa forma, desvalorizada por este sacerdote madeirense.
“Penso que uma plataforma onde se fala de livros é muito importante. Não é uma cena de ódio contra os livros ou seus autores, de queimar as obras, mas antes uma coisa sucinta, onde se diz que tem umas passagens que podem ferir a sensibilidade”, comentou Tolentino, responsável na- cional pela Pastoral da Cultura e consultor do Pontifício Conselho para a Cultura.
Na questão dos livros que o Opus Dei não aconselha, o que desagradou a Tolentino Mendonça foi mesmo a reação de Pilar del Río, viúva de José Saramago, expressa na entrevista dada ao DN ( publicada ontem) em que se referia a este assunto. “O Opus Dei é uma seita castradora e ao proibir livros de Saramago comete ilegalidades”, disse Pilar. “Chocou- me ver a entrevista, o tom com que, a partir de coisas tão sucintas, se parte para acusações que me parecem tão escusadas. O posicionamento de Pilar del Río fere o interesse que a obra de Saramago tem do ponto de vista teológico. De facto, um dos aspetos muito ricos na sua literatura é a dimensão teológica, elaborada sempre em linha de confronto, em polémica com a herança cristã”, comentou o vice- reitor da Católica.
E como a cultura é mesmo o “pelouro” de Tolentino Mendonça, era inevitável abordar algumas imposições aos membros da obra, a quem, em nome da abnegação, não é permitido assistir a peças de teatro, concertos e outros espetáculos culturais.
“Mesmo que me encontre numa outra espiritualidade, percebo as virtualidades de um caminho que se quer exigente, de um caminho de abnegação”, afirmou. No entanto, “isso não quer dizer que as pessoas do Opus Dei não tenham uma sensibilidade cultural. Tenho amigos na cultura e alguns deles são membros do Opus Dei”, afirmou o padre e poeta Tolentino Mendonça, que no próximo dia 7 de fevereiro estreia, no Teatro da Cornucópia, em Lisboa, a sua peça O Estado do Bosque.