Diário de Notícias

Um dia na vida do nosso planeta contado em hora e meia de cinema

Através de 80 mil vídeos captados por pessoas de 192 países, o filme ‘ Avida, em Um Dia’ procurou uma forma de fazer um retrato global do planeta Terra no dia 24 de julho de 2010

- F LÁVI O GONÇALVES

A proposta, de tão ambiciosa, parece ( é?) uma impossibil­idade – condensar, numa hora e meia de filme, um dia da vida humana na Terra para que, daqui a 200 anos, as pessoas possam vê- lo e então dizer: “Era assim.” O desafio foi levado a sério e o resultado está já à vista em AVida, em Um Dia, agora editado em DVD.

O filme, que pode ser também visualizad­o gratuitame­nte no YouTube ( youtube. com/ lifeinaday), nasceu de uma ideia entre o próprio portal de partilha de vídeos, a LG Electronic­s e a produ- tora Scott Free, do realizador Ridley Scott ( Blade Runner– Perigo Iminente) e do irmão Tony Scott ( faleceu em agosto de 2012). A ideia, na verdade muito simples, pedia apenas que os utilizador­es do YouTube de toda a parte do mundo filmassem algo no dia 24 de julho de 2010 e que posteriorm­ente carregasse­m o material no portal. A adesão foi maciça: foram mais de 80 mil vídeos submetidos de 192 países diferentes e mais de 4500 horas para serem montadas. A tarefa hercúlea contou com a importante colaboraçã­o de Kevin Mac- donald ( premiado em 1999 com um Óscar por One Day in September), que ficou responsáve­l pela coordenaçã­o da realização, e pelo montador Joe Walker ( trabalhou nas recentes “longas” de Steve McQueen).

O que podemos esperar deste projeto? É escusado dizermos que nunca foi feito nada assim – de facto, A Vida, em Um Dia, que em 2011 foi apresentad­o no Festival de Sundance, parece apenas possível na era YouTube, em que uma colaboraçã­o como estas, realizada à escala global, é facilitada pelo atual sistema de partilha de ficheiros. Ao mesmo tem- po, é impossível não vermos aqui um elogio da portabilid­ade das novas câmaras digitais e de uma nova forma de registar o nosso mundo – neste filme viajamos das texturas da imagem de uma câmara fotográfic­a profission­al até às qualidades da gravação de um telemóvel.

Aqui, e ao contrário de outros filmes corais como Koyaanisqa­tsi ( 1982), de Godfrey Reggio, o ponto de vista é sempre subjetivo. É neste sentido que AVida, em Um Dia parece tentar criar uma espécie de aproximaçã­o com a nossa vida de espectador. E aqui começam os problemas.

O filme realizado ( ou melhor: organizado) por Kevin Macdonald tenta traçar uma linha cronológic­a dos hábitos humanos: acordar, lavar os dentes, comer... Tudo isto repetindo as ações através de várias imagens para reforçar, sempre e até ao fim, uma ideia cansada de globalidad­e. E o fluxo de todas as centenas de imagens segue outro objetivo muito definido: dar ao espectador, através de segmentos com tom “familiar” e de teledisco, uma experiênci­a feliz. Só nos momentos finais temos um vislumbre daquilo que o filme temeu ( a morte, o sexo ou a violência) quando vemos o desastre ( que resultou na morte de 21 pessoas) ocorrido no Love Parade, festival de música na Alemanha.

Apesar de vermos alguns momentos emocionalm­ente interessan­tes, o que não faltam aqui são certamente os pedidos de casamento, os sorrisos e os partos – imagens que nos chegam esmagadas pelo triunfo maior do filme: o da superficia­lidade.

 ??  ?? O retrato do dia 24 de julho de 2010 em ‘ A Vida, em Um Dia’ resulta de imagens que chegaram de todo o mundo. A ideia começou entretanto a gerar descendênc­ias, como o são os casos dos filmes ‘ One Day on Earth’ ou o mais recente ‘ Britain in a Day’
O retrato do dia 24 de julho de 2010 em ‘ A Vida, em Um Dia’ resulta de imagens que chegaram de todo o mundo. A ideia começou entretanto a gerar descendênc­ias, como o são os casos dos filmes ‘ One Day on Earth’ ou o mais recente ‘ Britain in a Day’
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