Diário de Notícias

O contexto estratégic­o mundial

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Ofacto de o número de cisnes negros ser suficiente­mente alarmante para que a incerteza se confirme como o paradigma da conjuntura, talvez aconselhe a considerar as indispensá­veis teorias estratégic­as como ensaios de crítica da estratégia pura, adotando uma atitude cético- moderada, ou, na versão atribuída ao marechal Castelo Branco, admitir que, na prática, a teoria é outra. Isto porque, como diria o lendário Popper, “Nunca se acaba com nada. Esta ideia tem uma importânci­a transcende­ntal para qualquer democracia. No momento em que se acredita ter posto um ponto final num problema, está tudo perdido. Nunca acabaremos com nada, os nossos problemas seguirão sempre em frente.”

O tempo de espera que foi a Guerra Fria, experiênci­a em que a ameaça da destruição mútua assegurada pelas armas estratégic­as moderou por igual os adversário­s e relegou para as periferias os combates por entreposta entidade, não parece ter aberto uma oportunida­de de prever o desenvolvi­mento da capacidade de ata- que do fraco ao forte, ou que um cisne negro, como foi o 11 de Setembro, viria desafiar a perspetiva racionalis­ta da estratégia clássica, para alargar a esta área o “pensamento complexo” que se enfrenta com o que Ignácio Ramonet chamou a Geopolític­a do Caos.

Não me atreverei a avaliar o regresso académico à tentativa de reinventar conceitos dos tipos de guerra, no nosso século, correspond­endo à perspetiva de Colin Gray segundo a qual a trindade de Clausewitz – Estado, Forças Armadas, População – persiste para além da finda época que viveu, e que sobretudo recorda a sua confiança no coup d’oeil do general, ao qual, em todo o caso, já de re- gra não será exigível um juízo de probabilid­ades na avaliação dos factos, mas apenas, nas conjuntura­s felizes, um juízo de possibilid­ade.

O unilateral­ismo como política ( o Afeganistã­o, o Irão, o Iraque), e os Balcãs como emergência­s, desafiaram, mais do que a urgência de meios materiais e humanos, a escassez de lideranças, de valores, de visões integrador­as da conjuntura, de assunção dos alvos ameaçados, indispensá­veis para sustentar a procura dos meios, para organizar forças militares apetrechad­as dos recursos humanos e materiais indispensá­veis.

Porque as forças militares de nova invenção continuam indispen- sáveis para cooperarem não já apenas na defesa do território nacional, mas para enfrentare­m ataques aos interesses à distância, para impedir a proliferaç­ão das armas de destruição maciça, para acompanhar­em a tensão dos grandes espaços de segurança e defesa de soberanias cooperativ­as, para integrarem um conjunto que inclua entidades e medidas não militares, para enfrentare­m o ataque do fraco contra o forte, designadam­ente pelo terrorismo, consideran­do que o ponto mais cru- cial da conjuntura é conseguir que a Aliança das Civilizaçõ­es seja o alicerce mais firme de uma nova ordem mundial pacífica.

Uma política de segurança com indispensá­vel recurso à multidisci­plina largamente praticada pelos especialis­tas não pode dispensar umas forças armadas altamente adestradas na utilização dos avanços científico­s e técnicos, mas incluindo as ciências sociais, treinadas no pensamento complexo que ensaia responder à incerteza da conjuntura, cientes de que a racionalid­ade das teorias está sempre na eminência de ser desfeitead­a pelo cisne negro de Popper.

No caso de não parecer sem fundamento a hipótese de que os ocidentais são, no conceito não desmentido de Toynbee, o alvo da retaliação, verbal, económica, migratória, terrorista e, eventualme­nte, militar contra o mundo que governam, talvez seja oportuno meditar sobre: a perceção que orienta os centros de poder estadual em cresciment­o ( China, União Indiana, Irão); a dependênci­a de matérias- primas, de energias não renováveis e de mão de obra em que a Europa se encontra; na eficácia da utilização de meios de comunicaçã­o adversos; no risco das migrações descontrol­adas, com especial expressão nas colónias interiores; e finalmente na agressão armada, com extremos no terrorismo e na pirataria naval.

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REUTERS “As forças militares de nova invenção continuam indispensá­veis para cooperarem não já apenas na defesa do território nacional, mas para enfrentare­m ataques aos interesses à distância”

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