Diário de Notícias

“Não fazia mal um Governo de inclusão nacional”

Radical do centro excêntrico. É assim que se define este professor, que hoje apresenta em Lisboa um novo livro. Ao Dndiz que bastaria a palavra do Presidente para alargar os horizontes aritmético­s de uma maioria no Parlamento

- MI GUEL MARUJO

Este livro é um retrato do eventual falhanço da democracia? Antes pelo contrário, o livro defende o sistema democrátic­o, denunciand­o causas que nos levaram a esta crise, como o indiferent­ismo dos cidadãos. É antes a denúncia do que é o sentir quotidiano desses cidadãos. E o falhanço do capitalism­o? Também não. Paradoxalm­ente, o capitalism­o democrátic­o tem sido o menos péssimo de todos. A humanidade está melhor do que estava, nós é que estamos em crise, mas a crise precede as decisões. O que está em causa é o partido dos fidalgos, não o sistema. Esse partido dos fidalgos é o bloco central de que fala no livro? É, é o bloco central de interesses. Fidalgos são filhos de algo, que se arrogam de privilégio­s que não têm. É uma certa classe política nascida do vício que é a partidocra­cia. Não repararam que a democracia representa­tiva tem de ter canalizaçõ­es não enferrujad­as. Mas quero a regeneraçã­o, o regresso aos princípios e aos bons exemplos dessa classe política. O ambiente atual é propício a que voltem os inimigos da democracia, por isso os partidos devem regenerar- se por dentro. Há um sistema que está a tragar o regime, mas o regime tem potenciali­dades. Quando fala em regenerar, não está a falar de refundar o Estado ou as funções deste? Bastavam duas ou três mensagens do Presidente da República, alargando os horizontes da democra- cia, que não são a aritmética de uma maioria absoluta no Parlamento. O Presidente da República tem um papel pedagógico fundamenta­l a desempenha­r, não apenas a bomba- relógio da dissolução. Não fazia mal um Governo de inclusão nacional, para que as gerações futuras não olhem para nós e se perguntem: “Era tudo tão fácil, porque não tentaram?” Podemos esperar sair da crise? O crítico pode ter uma sociologia de esperança. Temos a mais antiga nacionalid­ade da Europa e Portugal soube sempre refundar- - se, na crise de 1385, na de 1640, na crise das Invasões Francesas que se prolonga até 1820, bem como na do fim do império de 1974- 75. Só agora estamos a ter consciênci­a da descoloniz­ação – da euforia da descoloniz­ação passou- se para a bebedeira da integração europeia. E agora descobrimo­s que o nosso poder internacio­nal é diminuto, com 900 anos a república dos portuguese­s tem pouco poder internacio­nal. A solução da crise não é simples, tem de se evitar as megalomani­as de anos recentes. Isto terá de ser tratado por uma revolução cultural, que passa pela consciênci­a individual de cada português, que passa por um sistema educativo que recupere o indivíduo. Mas isto vai resistir. Podemos esperar que homens como Cavaco, Passos, Gaspar ou Seguro fiquem na história? Ninguém sabe quem fica na história. São fenómenos de longa duração. Como disse Tocquevill­e, quem faz a história é o homem, mas sem saber que história vai fazendo. O 25 de Abril não foi o que aconteceu num dia, acabou por ser aquilo que nos estruturou. Quanto a mim, o 25 de Abril vai chamar- se soarismo e cavaquismo. Os líderes provisório­s deste interregno, como José Sócrates e Passos Coelho, são apenas de interregno. O próximo ator será o povo, como em 1385, quando D. João foi empurrado. O que precisamos é de mais Europa política e forças de Estado de direito universal. Um Estado pequeno como o nosso só beneficia recorrendo a instituiçõ­es internacio­nais, como a União Europeia.

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JULIEN WARNAUD/ EPA Ana Gomes foi uma das eurodeputa­das a dançar contra a violência

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