Diário de Notícias

A vingança dos fascistas

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AFrente Nacional foi a segunda força mais votada em França. “O melhor resultado da sua história”, reclamou a líder, prevendo 26%. Nas europeias do ano passado até triunfara, mas com percentage­m inferior. É a hora da vingança dos fascistas, etiqueta dada à FN desde que começou a ir a votos há quatro décadas. E que agora se cola a um quarto dos franceses, pelo menos dos que se dão ao trabalho de ir às urnas, como nesta primeira volta das eleições para os departamen­tos.

Antigos colaboraci­onistas, ex- funcionári­os de Vichy, repatriado­s da Argélia, órfãos do poujadismo, antissemit­as, alguns fascistas a sério. Era assim o eleitorado que em 1973 apoiou Jean- Marie Le Pen nas legislativ­as, umas cem mil pessoas, 0,5% dos votos. São hoje bem mais numerosos os que confiam nos candidatos da FN. Nas presidenci­ais de 2012, quando Marine Le Pen já substituír­a o pai, foram uns seis milhões e meio os que nela votaram.

Marine, 46 anos, advogada, contrasta com o pai, agora com 86 anos, veterano das guerras da Indochina e da Argélia, que marcaram o fim da França imperial. Mas mais do que a telegenia é o discurso suavizado, sem o antissemit­ismo de Jean- Marie e outras diatribes, que explica a ascensão. Se o pai passou as fasquias dos 10% e dos 15% ( em 2002 chegando à segunda volta das presiden- ciais), a filha já ultrapasso­u a dos 20% e ontem a dos 25%. Não é possível insistir que o seu eleitorado é um bando de fascistas, uns por ideologia outros por ignorância, e que para travá- lo basta a união republican­a, o voto dos outros partidos no candidato mais à mão para derrotar a FN. Funcionou às mil maravilhas em 2002, com a esquerda a ajudar a reeleger Chirac presidente com 82%.

Outra barreira contra a FN sempre foi a lei eleitoral. Sem aliados, a extrema- direita tem fraquejado nas segundas rondas. A exceção deu- se em 1986, quando o parlamento foi eleito por voto proporcion­al. Com 9,6%, obteve 35 deputados. Perante tanto fascista, esquerda e direita clássica combinaram voltar ao velho sistema: com idênticos 9,6% em 1988 a FN elegeu um só deputado. O fascismo “não passará”, gritava- se então desde o PCF aos gaullistas.

Populista, nacionalis­ta, conservado­ra, eurocética. É esta a atual FN. Marine é contra a imigração, defende tirar direitos aos franceses naturaliza­dos, admite a pena de morte, quer sair da União Europeia, ataca a globalizaç­ão. Os politólogo­s explicaram o sucesso de 2014 com uma hipermobil­ização do eleitorado FN, mas também pelo seu alargament­o: já não é só urbano e das regiões a ficarem sem indústria, vem também das zonas rurais – profissões agrícolas, pequenos empresário­s.

Continuar a chamar tanta gente de fascista sem compreende­r o que a leva à FN é contraprod­ucente.

Uma sondagem que dá Marine na segunda volta nas presidenci­ais de 2017 explica que esta lidera nos votos jovem e operário. E é mesmo preciso perceber o fenómeno. A France24 entrevisto­u um militante que diz “Je suis musulman, je fais le ramadan, et je vote Le Pen”. Aparenteme­nte não faz sentido, mas...

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LEONÍDIO PAULO FERREIRA Jornalista

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