“Para ajudar não é preciso rasgar as vestes e ir para as missões. Só é preciso uma reflexão crítica”
A Plataforma Portuguesa das Organizações não Governamentais para o Desenvolvimento ( ONGD) nasceu há 30 anos. Com que objetivo? A plataforma foi criada porque um conjunto de ONGD portuguesas sentiu que era preciso um interlocutor nacional para influenciar as políticas europeias e também para aceder aos fundos que então estavam a ser disponibilizados para a cooperação e desenvolvimento no âmbito da Comissão Europeia. Um propósito que ainda se mantém. De que forma evoluiu desde 1985? Hoje mantemos também uma interlocução que, por força da lei, é também com o Estado português, com a criação em 1998 do estatuto das ONGD. O nosso papel passa por estabelecer um espaço de diálogo para criar um ambiente favorável para que as nossas 66 associadas, com uma enorme diversidade de projetos e dimensão, façam o seu trabalho. Do ponto de vista político, legislativo e ainda financeiro. A crise económica afetou o setor? Muito. E não só à escala portuguesa, mas europeia. À redução substancial dos orçamentos para a cooperação, juntou- se uma corrida das ONGD às linhas de financiamento da União Europeia, que já eram concorrenciais. Por causa disso, blindaram- se os critérios de acesso de uma forma lesiva para países como Portugal, onde a maior parte das ONGD são de pequena ou média dimensão e não têm capacidade de competir com grandes redes. Nem sempre os critérios de acesso aos fundos são compatíveis com o que tem mais impacto da vida das pessoas com as quais as ONGD trabalham. São virados para resultados tangíveis, permitindo à UE dizer estou cá, vejam os resultados. Se teve impacto ou não, tanto faz. Como é a relação com o governo? Nestes 30 anos houve um pouco de tudo: momentos de diálogo franco, aberto, construtivo, mas também de tensão. Neste governo, já vamos no terceiro secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação e com os três houve relações diferentes. Com o primeiro [ Luís Brites Pereira] muito más, até porque era uma pessoa que não estava particularmente preparada para o cargo e que tinha diretivas muito específicas das Finanças para cortar. E cortou a eito, fazendo a fusão de institutos públicos sem critério. Isso causou estragos, alguns irreversíveis. E os sucessores? Repuseram algumas das coisas que era possível repor. Mas o problema é o pouco peso que o setor tem na política nacional e externa de Portugal, a ponto de depender quase de preparação e sensibilidade, ou falta dela, do secretário de Estado. Estranhamos quando ouvimos dizer que a cooperação é uma política de Estado, não de governo, que não devia estar dependente das vicissitudes dos ciclos eleitorais. Mas a verdade é que cada governo que vem é quase começar da estaca zero. A plataforma tem projetos próprios no terreno? Não tem de propósito, pois estaria a entrar em concorrência com as associadas. A plataforma serve para potenciá- las e não para lhes fazer sombra. Mas temos projetos na área da capacitação, da construção de meios e conhecimento para a influência pública ou sensibilização da opinião pública. Qual foi a última grande campanha da plataforma? Desde 2010 lançámos uma campanha para impedir a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, que infelizmente teve um desfecho que nos entristece. Podemos dizer que não há, nos Estados membros da CPLP, campeões dos direitos humanos, mas a verdade é que estão lá por direito próprio, são efetivamente países de língua oficial portuguesa. A Guiné Equatorial não. E do ponto de vista dos direitos humanos é um almanaque de violações. Uma ditadura que extrai as riquezas do país a favor do presidente e em detrimento da população. Os números falam por si, tem um PIB semelhante à Itália, que chegou a ser quinta economia mundial, e, no entanto, está no fim da lista do índice de desenvolvimento humano. Não conseguimos vencer porque há interesses mesquinhos que acabam por prevalecer, porque as questões dos direitos humanos não têm um carácter vinculativo. Dependem da vontade política... Sim. Por exemplo, quando os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio foram aprovados, fizeram- se contas, e chegou- se à conclusão que para os implementar à escala global seria preciso milhares de milhões de dólares e surgiram logo céticos a dizer que era impossível angariar o dinheiro. O tempo passou e rebentou a crise global. Em dois meses, entre março e maio de 2009, angariou- se 30 vezes mais do que aquilo que era supostamente impossível angariar em 15 anos para erradicar a pobreza. Só para injetar no mercado financeiro. Isto demonstra que a vontade política para o cumprimento destas metas passa para segundo, terceiro, décimo plano por não ter força vinculativa. O que é que os portugueses podem fazer para ajudar? Cada vez mais, num mundo globalizado, a nossa mudança de comportamento enquanto cidadãos, consumidores, utentes, votantes, tem impacto. Quaisquer mudanças que possam acontecer do ponto de vista individual, institucional ou coletivo vão ter repercussões positivas. Para ajudar, tornar o mundo mais justo e equitativo, não é preciso rasgar as vestes e ir para as missões. Quem tenha vocação para isso, ótimo, quem queira ajudar financeiramente uma organização, ótimo. Mas para começar só é preciso fazer uma reflexão crítica e mudar os comportamentos, enquanto consumidor privilegiar os produtos locais ou o comércio justo, ter hábitos mais respeitadores do ambiente. Não é dar roupa aos pobrezinhos ou enviar livros. Isso alivia mas não cura. O que vai curar é as pessoas tomarem consciência de que a pobreza e as desigualdade são um problema de todos. E se são um problema de todos, então todos somos a solução.