O lado mecânico de Rodrigo Leão
O músico e compositor apresenta hoje no Porto e amanhã em Lisboa o seu projeto eletrónico A Vida Secreta das Máquinas
Rodrigo Leão pegou na sonoridade de velhos eletrodomésticos, gruas ou fábricas e transformou- os em música, como se de verdadeiros instrumentos se tratasse. O resultado desse exemplar exercício de reciclagem é A Vida Secreta das Máquinas, um projeto de cariz mais exploratório e ambiental, na senda de nomes como Brian Eno e David Sylvian ou como o próprio assume ao DN: uma “tímida aproximação” do seu universo musical à eletrónica.
É este lado mecânico de um músico conhecido ( e celebrado) pela emocionalidade da sua obra que agora é apresentado em palco, nos dois espetáculos de arranque de um novo ciclo de concertos no CCB e na Casa da Música, com o título Classic Waves, dedicado à relação entre os universos eletrónico e erudito, tão bem exemplificada neste projeto de Rodrigo Leão, iniciado durante um passeio pelas ruas de Goa. “Depois de um período de muito trabalho, tirei uma semana de férias e fui a Goa, onde vi uma instalação de velhos eletrodomésticos com uma sonoridade muito própria”, lembra o compositor, que gravou os curiosos ruídos com o próprio telefone.
“Nunca pensei vir a usá- los, mas quando regressei a Lisboa dei por mim a gravar o som das gruas de umas obras perto de minha casa e a começar a procurar na net sons industriais e de fábricas”, lembra o músico, que, aos poucos, os foi transformando em música. Parte dessas composições serviram de base para alguns temas do disco em conjunto de Rodrigo Leão com o australiano Scott Mathew, a editar em breve, mas ainda foi muito o que ficou na gaveta. Até que, no final do verão passado, foi desafiado pela organização do Lisb On a con- ceber um espetáculo de raiz para este novo festival de música eletrónica ( decorreu em setembro, no Parque Eduardo VII, em Lisboa), onde atuou com o músico islandês Olafur Arnolds. “Lembrei- me logo dessas composições, era a oportu- nidade perfeita para as transformar em algo mais, apesar de a experiência desse concerto não ter sido a melhor”, conta. Não desistiu e o passo seguinte foi transformá- las num disco, “para que ficasse um registo desse trabalho”. A Vida Secreta das Máquinas saiu em dezembro, editado pela revista Blitz, e teve recentemente uma segunda edição, com dois temas extra. Ao todo, são 12 temas instrumentais, algures entre a música ambiental e a eletrónica, que acabam por funcionar como uma desconstrução da sua génese maquinal e industrial.
A Vida Secreta das Máquinas apresenta- se também agora no Porto e em Lisboa com um novo espetáculo em nome próprio, em que os teclados eletrónicos de Rodrigo Leão surgem desta vez acompanhados por um quarteto de cordas, por Marco Alves no trombone e por João Eleutério nas guitarras e sintetizadores. “Vou apresentar- me com uma formação diferente, porque só com a eletrónica ficava tudo muito vazio e sem sentimento. Daí esta fusão com um lado mais acústico, que de certa forma faz uma ligação ao meu universo musical”, reconhece o músico, sem esconder a expectativa em relação ao espetáculo: “É uma incógnita, não sei que público lá vai estar nem como vou ser recebido. Trata- se de um espetáculo mais experimental e alternativo, mas que de certa forma dá seguimento ao meu trabalho, sempre muito aberto às mais diversas influências. Espero que gostem, porque acima de tudo deu- me um grande prazer fazê- lo.”
Rodrigo Leão está já entretanto a trabalhar num novo disco, cuja edição está prevista lá mais para o final do ano. “Tenho estado muito focado no processo de composição e sabe bem esta pausa no trabalho”, confessa. Quanto a estas “Máquinas”, vão, por agora, ficar por aqui, mas sempre prontas a voltar à vida. “Quem sabe se um dia não haverá um segundo disco?”
Este será um “espetáculo mais experimental”, assume o músico