Diário de Notícias

“Nunca votei na minha vida. Para quê?”

JOÃO SALGUEIRO ( 3)

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Nasce em 1936 Pastor, vive em Montemor- o- Novo

“Quer que eu converse mas agora não posso ou as cabras vão fugir- me. Além de que não quero falar sobre isso, não me interessa, nunca quis saber de eleições, nunca votei na minha vida. Para quê? Não votei nem antes nem depois de 1975 e nas próximas eleições vou continuar a fazer o mesmo. Não me quero chatear, é como nos noticiário­s e nas novelas, só vejo as partes que quero, ninguém me obriga a mais. É como o jogo entre o Benfica

e o Porto, ninguém pode fazer- me ver. Nunca senti vontade em ir votar porque nunca liguei à política. Nunca fui a um comício porque não gosto de partidos. Já tenho muito que fazer com o rebanho, são 63 a dar- me trabalho e à minha cadela, a Sentida. E não valem quase nada: por uma ovelha velha pagam 10 euros, se estiver gorda vai até aos 20 euros, não mais. Mas não vou ficar com estes animais todos por muito tempo, passo dias e noites à chuva e ao vento debaixo de um sobreiro ou de uma azinheira. Nem estou para ter despesas à conta da GNR. No outro dia eles vieram cá e multaram- me porque nenhumdos meus quatro cães tem um chip. Foi logo uma multa de 75 euros mais o dinheiro para pôr quatro chips nos cães. Também querem as ovelhas com chips, só que não há dinheiro para fazer isso em todas. Vou ter de vender algumas pois não tenho dinheiro para pôr chips nas borregas que são para criar nem para as vacinar todas. Por isso é que votar nunca. Eles vão para lá para se encher e eu preciso de vender 50 borregos para pagar o IRS que querem cobrar. Tenho de as tosquiar um dia destes e é preciso pagar a ajuda de dois homens. Vou vender tudo e não faço mais nada, é viver da reforma que são 218 euros. Só posso dizer que não gosto de partidos e se votasse alguma vez em alguém era naquele do PS, o [ António José] Seguro. Ah, nesse era logo. Em 1975 não votei porque estava a mondar arroz em Alvalade do Sado e não podia ir à secção de voto. E a mulher também nunca votou... Quando era garoto só havia laranjas uma vez por ano, agora é o ano inteiro. Por isso é que agora corta- se uma fatia do pão e é só buracos porque a farinha não presta. Porque é que se vê tanta gente cancerosa?”

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