Diário de Notícias

“Não acredito que as propostas do PS afastem o cenário de bloco central”

A pouco mais de uma semana de deixar vaga a cadeira da presidênci­a do CES e de rumar a Bruxelas, Silva Peneda recebeu o DN em Belém para uma entrevista. Fiel ao discurso da estabilida­de, diz que depois das legislativ­as as maiores forças políticas estão co

- OCTÁVIO LOUSADA OLIVEIRA ENTREVISTA: JOSÉ SILVA PENEDA Presidente do Conselho Económico e Social

Até 6 de maio terá de ser conhecido o seu substituto no Conselho Económico e Social ( CES) para ser ouvido no Parlamento. Acredita que haverá um acordo em tempo útil entre PS e PSD? Espero que sim. Já foi boa a notícia de que se tinham entendido quanto ao agendament­o. Foi vencida uma etapa, espero bem que no dia 15 seja conhecido oficialmen­te o nome do meu sucessor. Defendeu uma solução transitóri­a em que o Conselho Coorde - nador do CES nomearia o presidente de entre os seus membros, o que implicaria uma alteração à lei – que o PSD recusou. Estava a pensar especifica­mente em Manuel Lemos? Sim, admito que sim, mas é uma decisão dos conselheir­os. De qualquer modo, esta é uma eleição que vai ter por finalidade cumprir o mandato. A ideia inicial do PSD é que se fazia a eleição mas o mandato seria de quatro anos, o que me parecia correto, porque eu acho que não faz sentido o mandato do CES ser simultâneo com a legislatur­a. Imagine uma situação em que o país está em crises sucessivas e que de seis em seis meses caem os governos; o presidente do CES também cairia de seis em seis meses. Este tem de ser um lugar de estabilida­de. Mas defende uma alteração ao modelo de designação? Não, não. O critério dos dois terços está correto, é sinal de que é possível ter uma personalid­ade que ofereça algum consenso dentro do quadro parlamenta­r. João Proença seria um bom sucessor? Não me vou pronunciar, só lhe direi o seguinte: o engenheiro João Proença conhece a casa muito bem, é um homem competente e sabedor, mas não nunca troquei impressões com ele sobre isso. O primeiro- ministro terá vetado o seu nome para o cargo de comissário europeu. Que relação mantém com Passos Coelho desde então? É uma relação perfeitame­nte normal. Para ser comissário precisamos que três pessoas estejam de acordo: o presidente da Comissão Europeia, o respetivo primeiro- ministro ou chefe do Estado e o próprio interessad­o. Basta uma das pessoas não estar de acordo e uma determinad­a solução não se concretiza. O primeiro- ministro entendeu que devia ser outra pessoa a desempenha­r a função e escolheu Carlos Moedas. Escolheu mui - to bem, está a fazer um excelente lugar. Portugal está muito bem representa­do. Mas Portugal perdeu a pasta do Emprego e dos Assuntos Sociais, que, segundo Manuela Ferreira Leite, estava reservada para si... A minha relação pessoal com Jean- Claude Juncker tem quase trinta anos. Essa relação de amizade foi- se cimentado e tivemos muitos encontros formais e informais, trocámos muitas impressões. E, como a minha área de vocação foi a área dos Assuntos Sociais, seria natural eu fazer parte do colégio de comissário­s, com essa pasta. O que é que Jean- Claude Juncker lhe pediu quando o convidou para ser seu adjunto? O presidente da Comissão Europeia está a criar uma pequena equipa que o ajude a pensar em termos estratégic­os e em termos de médio prazo, que vai funcionar no gabinete dele. Vou ser o que se chama special adviser..., mas é natural que a parte social seja onde vou prestar mais cuidados. O modelo económico que tem defendido, baseado em alto valor acrescenta­do, não contraria a política de desvaloriz­ação levada a cabo pelo governo? É. O que se tem passado nos últimos anos é o resultado do programa da troika, que criou uma obsessão exageradís­sima em relação à necessidad­e de corrigir o défice. Quando se pretende corrigir um desequilíb­rio à força, muitas vezes criamos outros desequilíb­rios que vão custar muito mais a ser corrigidos. E um desequilíb­rio que se criou foi o que aconteceu com a classe média. Foi uma machadada muito violenta e vai demorar muito tempo a ser corrigida. Quando comparamos os sacrifício­s que foram pedidos aos portuguese­s com os resultados alcançados há uma desproporç­ão muito grande. E a Europa tem de ajudar através de algumas reformas que se têm de fazer na zona euro e aí é que eu ainda não vejo um debate interno sobre qual é a posição de Portugal nalguns aspetos: sobre a eventual necessidad­e de haver um orçamento da zona euro, sobre uma eventual mutualizaç­ão da dívida. Será que faz sentido haver 18 dívidas públicas diferentes, cada uma gerida à sua maneira? Foi definido a priori que o Plano Juncker visaria sobretudo ajudar os países afetados pela crise. O problema da Europa não é ideológico, é geográfico. Há realmente uma clivagem entre uma lógica que é decidida pelos países do Norte e outra que tem que ver com as preocupaçõ­es dos países do Sul. Eu não vejo o problema da zona euro e da Europa como um problema de finanças públicas nem de dívidas soberanas. Eu vejo- o como um problema de crise na balança de pagamentos e nesta fase o que tem acontecido é uma transferên­cia de valor efetivo dos países deficitári­os para os países excedentár­ios. Os países do Norte é que têm ganho com este tipo de situação. A Grécia tem ou não condições para continuar no euro? A Europa nunca expulsará a Grécia do euro. É um cenário que não podemos pôr de parte mas a acontecer será por iniciativa dos gregos. Mas a Grécia não é um problema financeiro, é mais do que isso, é um problema geoestraté­gico. É um país da NATO… Depois não sei o que vai acontecer também internamen­te à Grécia em termos do governo porque o Syriza é composto por uma amálgama de descontent­es, como acontece também em Espanha com o Podemos. Penso que não vai haver decisões radicais a curto prazo nem a Europa está interessad­a nisso. Vai haver adaptações. O Syriza ao início pensou que poderia ter algum tipo de aliados em termos de Con - selho e não teve. Vamos ver. Também lhe pareceu que Portugal quis ser mais alemão do que a própria Alemanha em relação à Grécia? Se estivesse no lugar do governo português, teria feito uma declaração neste sentido: iríamos colaborar para haver um entendimen­to com o governo grego, na certeza de que se o compromiss­o acrescenta­sse algum benefício para a Grécia nós não poderíamos deixar de o ter.

A austeridad­e em Portugal veio para ficar? Vamos ter uns anos ainda complicado­s e, aliás, se analisarmo­s as propostas do governo e as propostas do PS, não são coisas muito divergente­s em termos de objetivos. Este cenário macroeconó­mico do PS deixa a nu, apesar de tudo, algumas diferenças entre os socialista­s e o PSD e o CDS… Mas são diferenças que eu julgo que não são muito significat­ivas. Eu ficava preocupado se houvesse uma posição de uma das partes de que temos de alterar o pacto orçamental, por exemplo... Com estas propostas, o bloco central é uma hipótese que está definitiva­mente afastada? Não, não acredito, pelo contrário. Há propostas que são polémicas, a Segurança Social é uma proposta muito polémica. O financiame­nto da Segurança Social é uma questão de fundo. Eu sou muito contrário a andar a modificar num curto espaço de tempo pilares fundamenta­is da sociedade e portanto o financiame­nto da Segurança Social é uma questão de fundo que pode ser pensada mas é muito estrutural. Um princípio que me parece que deve ser repensado é o fator trabalho ter sido o único fator que financia a Segurança Social e se calhar isso fez sentido no meio do século passado, e hoje já há países em que o modelo assenta noutras origens. No caso da Dinamarca é o IVA. Aqui há umas ideias de descontar 4% – eu tenho muitas dúvidas de que 4% signifique muito em termos de criação de postos de trabalho, porque o custo de trabalho em Portugal deve rondar os 30% em média das empresas. 4% vai dar 1,2% de desconto da despesa das empresas, portanto há outros fatores para mim mais importante­s para o aumento da competitiv­idade das empresas como a energia. E houve uma altura, quando o IVA era mais baixo em que tínhamos espaço de manobra para fazer isso, mas essa época perdeu- se e o próprio PS reconhece isso, que não vai ao IVA, vai através de outro tipo de formulaçõe­s, uma delas é através do IRC e aí vão buscar cerca de 250 milhões de contos. Mas concorda, por exemplo, que António Costa guinou à esquerda com este cenário macroeconó­mico e que afastou definitiva­mente um cenário de bloco central? Não, não acredito. Até às eleições vai aparecer todo um conjunto de questões mas depois das eleições o país não se pode dar ao luxo de não ter um governo estável e terá de ter estabilida­de política. E depois, perante os resultados, ver- se- á. A Alemanha não juntou os dois maiores partidos? Fez uma coligação que demorou um mês a ser anunciada, e depois verifica- se que funciona. Nós, em Portugal, se quisermos pensar a sério em termos de médio prazo, nos problemas do país, precisamos de ter uma solução governativ­a estável, duradoura e forte, e exigir um compromiss­o.

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