Rua Nova do Carvalho é a Rua Rosa. E está na moda
Lisboa. Artéria no Cais do Sodré é uma das 12 ruas europeias que o jornal The New York Times prefere. Quem a frequenta não encontra explicação. Mas elogia a diversidade de pessoas e bares
“O que é que esta rua tem de especial? Boa pergunta.” São nove da noite de uma quinta- f eira e Miguel Bernardo, Cristina Almeida e Carolina Leitão, todos com cerca de 20 anos, bebem tranquilamente uma imperial na esplanada do Cantinho do Prazer, na Rua Nova do Carvalho ( Lisboa). O ambiente é calmo, mas o fim de semana trará, como é tradicional, uma multidão à principal área de diversão noturna no Cais do Sodré, uma das 12 r uas europeias que o jornal norte- americano The New York Times prefere. Quem a f requenta habitualmente não sabe ao certo dizer porquê. “Está na moda”, arriscam.
Há 30 anos que Maria da Graça Paula é comerciante na Rua Nova do Carvalho, 28 dos quais como proprietária de um salão de jogos. Há dois, o espaço foi transformado num bar e, hoje, já não a surpreende a distinção que chega do outro lado do Atlântico. “Foi a melhor coisa que podiam dizer e eu con- cordo”, comenta, de supetão, frisando que a entretanto rebatizada informalmente Rua Cor- de- Rosa está melhor do que “antigamente”.
O “antigamente” não é esquecido pelo The New York Times. “Durante décadas, prostitutas e marinheiros foram os principais habitantes da Rua Nova do Carvalho, uma ruela portuária com clubes noturnos gastos batizados de Roterdão, Liverpool, Copenhagen e outros portos”, recorda, no artigo publicado online no último dia 16, o jornalista Seth Sherwood. A reconversão iniciada em 2011 é descrita logo de seguida: “Por este dias, todo o tipo de pessoas anda na rua, que foi fechada ao trânsito, pintada num alegre tom rosa e elevada ao estatuto da mais agitada nova pista de festa, graças à combinação de proprietários de bares empreendedores com a ação municipal.” A prová- lo, os cinco estabelecimento destacados.
Latas, por exemplo, são no Sol e Pesca, onde “centenas de conservas” estão “empilhadas em armários de vidro iluminados” e devem ser consumidos, de preferência, acompanhados de uma ginjinha. Já o Povo é o sítio ideal para provar “pratos de tapas robustos”, ainda que a “verdadeira estrela seja a língua portuguesa em si”, devido à presença de poetas locais e jovens aprendizes de fado. A bebida aconselhada é, desta vez, a caipirinha.
As bebidas espirituosas são também, para Seth Sherwood, o cartão- de- visita do Bar da Velha Senhora, enquanto a discoteca Tokyo é o “bar do rock”. Já o “cavernoso” MusicBox, “o espaço mais medieval da rua”, é a “catedral” onde se ouve indie rock português, hip- hop brasileiro ou DJ funk e electro, conclui.
Ao todo, são cerca de dezena e meia os espaços que dão vida à Rua Nova do Carvalho, do mais tradicional ao mais cosmopolita. “É uma alternativa ao Bairro Alto”, diz Miguel Bernardo, antes de Cristina Almeida lembrar que o principal local de diversão noturna da capital, vizinho do Cais do Sodré, está “completamente lotado”. “Aqui é mais transversal”, salienta o jovem.
O cenário em seu redor confirma a sua opinião. De pais com bebés a jovens casais, passando por grupos de pessoas de meia- idade, a Rua Nova do Carvalho parece ser o ponto de encontro, mesmo à quinta- feira à noite, de diversas gerações. Margarida Madeira e Francisco Mouraz não deixam, ainda assim, de considerar que a distinção da publicação norte- americana é “um bocado exagerada”.
“Está na moda. Tudo o que é Lisboa. É como os hostels...”, defende a jovem de 22 anos, sentada na esplanada do Sol e Pesca. “O estrangeiro adora isto”, atira Maria da Graça Paula, que só lamenta os novos horários em vigor no Cais do Sodré há cerca de três meses.
Desde então que, de forma a harmonizar a atividade comercial, a diversão noturna e o direito ao descanso dos moradores, os bares, que antes podiam estar abertos até às 04.00, estão obrigados a fechar, de domingo a quinta- feira, às 02.00, e, à sexta- feira, sábado e véspera de feriado, às 03.00. Simultaneamente, foi proibida a venda de bebidas para a rua a partir da 01.00. A medida aplica- se também nos bairros de Santos e da Bica.
“Estão a matar lentamente o Cais do Sodré”, desabafa a comerciante, que já chegou a levar com um copo na cara quando lembrou aos clientes que não poderiam consumir fora dos limites da esplanada. “É uma rua sossegada”, garante, dando voz a uma posição bem distinta da dos moradores.
Reiterando a degradação da qualidade de vida dos residentes na zona desde que a Rua Nova do Carvalho se transformou em Rua Cor- de- Rosa, Isabel Sá da Bandeira, da associação Aqui Mora Gente, diz não compreender quais são os critérios que deram origem à distinção do The New York Times.
São quase 22.00 de quinta- feira e, nas esplanadas, lisboetas e turistas aproveitam para descontrair ao som da música que ecoa pelos ares.
VEJA O VÍDEO DA DIVERSÃO NO CAIS DO SODRÉ EM WWW. DN. PT