Diário de Notícias

Besta: a arma medieval que o crime de Barcelona ressuscito­u

Nunca houve um ataque mortal com esta arma, mas PSP já apreendeu 164 em quatro anos, muitas usadas em crimes

- RUTE COELHO

Um ataque mortal com uma besta artesanal, como aconteceu em Barcelona na segunda- feira passada, não tem equivalent­e em Portugal, segundo fontes policiais contactada­s ( ver fotolegend­a). Mas esta arma branca letal, silenciosa e eficaz tem sido apreendida pelas forças de segurança em vários inquéritos- crime, dos assaltos à mão armada à violência doméstica. Nos últimos quatro anos, o Departamen­to de Armas e Explosivos ( DAE) da PSP contabiliz­ou 164 bestas confiscada­s: dessas, 49 já foram declaradas perdidas a favor do Estado, pelo que têm processos encerrados, como explicou ao DN o intendente Pedro Moura do DAE.

Um desses inquéritos teve por arguido um homem que agredia a mulher e escondia em casa, em Viana do Castelo, um verdadeiro arsenal com 11 armas ilegais, incluindo caçadeiras, armas de fabrico artesanal, uma carabina adaptada para caça grossa com mira telescópic­a e uma besta da marca Excalibur. Ou outro caso, de um bando que cometeu vários assaltos na zona de Sintra com recurso a armas falsas e também a uma besta.

Classifica­da como arma branca, a besta é proibida, com duas exceções: a caçadores e para a prática desportiva. “E faz sentido que seja arma proibida. Um virotão [ flecha] de uma besta disparado a 25 metros atravessa um javali de 100 quilos de um lado ao outro. Imagine- se o que faz a uma pessoa”, afirma Francisco Camacho, presidente da Federação dos Arqueiros e Besteiros de Portugal ( FABP). O alcance de um tiro de virotão disparado por uma besta pode ir até aos 200 metros.

Não há registo, em Portugal, de casos de pessoas atacadas por bestas profission­ais, como aconteceu em Barcelona.

A FABP tem 250 atletas inscritos na prática regular desportiva de tiro com besta e 1800 inscritos que não praticam regularmen­te. Os arcos e bestas são armas brancas, pelo que é proibida a venda, a aquisição, a cedência, o uso e o porte, nos termos da Lei das Armas. As bestas também eram armas proibidas quando Portugal travou a batalha de Aljubarrot­a contra o exército castelhano, em 1385, e, no entanto, foram utilizados besteiros à revelia dessa proibição, como lembrou Francisco Camacho.

Para a prática desportiva, venatória ( caça) e colecionis­mo, não é exigível qualquer licenciame­nto para a aquisição destas armas, bastando que os proprietár­ios sejam associados da Federação Portuguesa de Arqueiros e Besteiros de Portugal, da Federação Portuguesa de Tiro com Arco, ou que sejam ti- tulares de carta de caçador adequada emitida pelo Instituto da Conservaçã­o da Natureza e das Florestas ( ICNF) que habilite à utilização destas armas, como esclareceu o Departamen­to de Armas e Explosivos da PSP.

O DN perguntou ao ICNF quantas licenças de caçador/ arqueiro estão ativas em Portugal, mas até ao fecho da edição não teve resposta.

Segundo adiantou Francisco Camacho, presidente da FABP, “tem vindo a crescer muito a quantidade de besteiros caçadores em Portugal”. O tiro com besta é utilizado na caça de espera e sobretudo para presas como coelhos, javalis, veados e mufões ( espécie de cabra).

Artur Garã, presidente da Associação dos Armeiros de Portugal, dono de uma espingarda­ria, garante nunca ter vendido uma besta ou um arco. “É uma arma pouco comum. Em cem mil caçadores de javali que existem em Portugal, se houver 50 deles a caçar com besta, é muito.” “A arma do demónio” A besta deve o seu nome ao ato pontifício do Papa Inocêncio III, que morreu em 1216, que a classifico­u de “arma do demónio” e proibiu a sua utilização contra os cristãos, embora a pudessem usar contra os infiéis ou os mouros.

A arma parece uma espingarda. Tem um arco de flechas, acoplado na ponta da sua coronha que lança os virotões, cujas pontas quadrangul­ares de aço, semelhante­s a uma pirâmide, atingem fatalmente os alvos. “É uma arma silenciosa e efi- caz”, descreve Francisco Camacho, ele próprio praticante de tiro com besta. “É uma arma extremamen­te letal”, comenta o intendente Pedro Moura. “Atualmente já têm mira telescópic­a e focos de iluminação”, refere o presidente da Federação.

Tal como acontece com outras armas, qualquer um pode aprender a fazer uma besta. Há vídeos disponívei­s no YouTube sobre como fabricar uma, passo a passo. “Mas exige estudo e trabalho devido ao alinhament­o do arco, têm de ser materiais fortes e flexíveis”, refere Francisco Camacho.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal