Diário de Notícias

Os paradoxos da Europa

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Primeiro, o caso geral. Faz algum sentido ter uma área de livre circulação sem fronteiras e depois fingir que os problemas migratório­s de um Estado não são problemas de toda a União? E existindo um tronco comum entre esta migração e as vagas de refugiados de África e Médio Oriente, podemos não ter um mecanismo de partilha para refugiados e um sistema de asilo mais equitativo? Depois, o caso concreto. Um programa lançado pelo governo italiano ( Mare Nostrum) tinha quatro vezes mais dinheiro por mês do que um lançado por toda a UE ( Tritão), mais alcance em milhas para busca e salvamento, e mais meios navais envolvidos. Resultado? O número de mortos foi muito menor. Em vez de adotar o Mare Nostrum, reforçando- o com meios, verbas e compromiss­o político, a UE resolveu esvaziá- lo para criar uma bizarria refém dos políticos adeptos do continente- fortaleza. Só para termos a noção, nos primeiros três meses do Tritão, a imigração para a Europa via Mediterrân­eo cresceu 160% em comparação com os três meses iniciais do Mare Nostrum. Mais: nestes quatro meses de 2015, o número de mortos aumentou trinta vezes em relação a igual período de 2014. Aqueles que diziam ser o Mare Nostrum um convite à imigração ilegal através de um efeito atrativo incontrolá­vel, têm aqui a prova das suas mentiras e do seu fracasso. Não só o “efeito atração” é factualmen­te incorreto, como é moralmente indefensáv­el. Existem outros fatores mais importante­s, sendo o principal a natureza política do drama: a anarquia criada pelas guerras na Líbia e na Sí ria, respetivam­ente o maior entreposto para a morte deste maciço contraband­o humano e o maior contingent­e nacional envolvido. Sem tentar resolver estas duas frentes, podem os líderes europeus estar certos de que se fecharão mais vezes em Bruxelas nos próximos meses.

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Investigad­or universitá­rio BERNARDO PIRES DE LIMA

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