Depois da biblioteca e da casa de chá, agora vai ter o maior teatro da Ásia Central
Este é umpaís onde se constrói em grande. Exemplo: será inaugurada em 2016 na capital tajique a maior mesquita das repúblicas centro- asiáticas. E depois virá uma sala de teatro... mas não há grande tradição dramatúrgica
A capital do Tajiquistão vai ter o maior teatro da Ásia Central e um dos maiores do mundo, que incluirá três salas para representação e concertos, espaços para exposições e outros eventos culturais. O projeto, o mais recente de uma série de construções megalómanas, tem um custo estimado em cerca de 93 milhões de euros. E aqui principiam as interrogações sobre a utilidade de construir em Duchambé uma nova sala de espectáculos. A cidade já tem seis teatros, qualquer deles com centenas de lugares, que raramente esgotam a lotação.
Problemas que não parecem incomodar o presidente Emomalii Rahmon, no poder desde 1992, que tem promovido a construção de outras obras faraónicas, como a maior biblioteca, o maior museu e a maior casa de chá – sempre tendo como referência a Ásia Central. E durante um breve período Duchambé teve o privilégio de possuir o mais alto poste de bandeira no mundo, com 165 metros – uma distinção agora passada para a cidade saudita de Jeddah, que ergueu um com 170 metros. A Torre Vasco da Gama, em Lisboa, tem 145 metros.
Além do novo teatro, em Duchambé assiste- se à construção da maior mesquita da Ásia Central, cuja inauguração está prevista para 2016. O projeto foi iniciado em outubro de 2011 e o edifício tem uma capacidade prevista para 120 mil pessoas. Neste caso, o financiamento foi externo, com o Qatar a pagar 70% do custo e os restantes 30% suportados pelo governo tajique.
Fora da capital tajique, em Dangara, no Sudeste do país, deve concluir- se neste ano a primeira fase do maior complexo têxtil da Ásia Central. Parceria com a China, está previsto que empregue, quando estiverem concluídas todas as unidades, cerca de seis mil pessoas. Este é um projeto que pode servir efetivamente a economia tajique, já que o cultivo do algodão corresponde a 60% da produção agrícola total eé a principal fonte de rendimento para 75% da população rural, segundo dados oficiais. O país é o quarto maior exportador mundial de algodão.
O novo edifício, além do maior será também “o mais belo” da Ásia Central, promete a página de internet do presidente Rahmon. Apesar de o custo surgir como uma utilização de verbas pouco prudente num país que depende da ajuda externa. O site Eurasianet, que divulgou a notícia, nota que o Tajiquistão tem problemas recorrentes em equilibrar o orçamento nacional e o Banco Mundial e o Banco Asiático para o Desenvolvimento canalizam, de forma regular, fundos para o financiamento de projetos sociais e a construção de infraestruturas es- senciais para um país moderno. O Tajiquistão é considerado dos países menos desenvolvidos da região, estimando- se que 35% da população viva abaixo da linha de pobreza.
Além destas questões, o problema principal é, como refere o Eurasianet, que o teatro não é uma forma de arte popular no país. “Os 500 lugares do Teatro Académico estão quase sempre vazios. Quando as escolas vão assistir a peças, a sala fica um pouco mais composta”, disse Abulkosim Lohuti ao Eurasianet, referindo que o mesmo panorama se repete nas outras cinco grandes salas da capital tajique.
Uma realidade resultante da crise generalizada no setor, devido ao fim dos subsídios oficiais no pósUnião Soviética. Sem verbas, os grupos e as escolas de teatro limitam- se a sobreviver e os melhores autores, encenadores e atores trocam o Tajiquistão pelos países vizinhos. Caso de um dos mais celebrados encenadores tajiques, Barzu Abdurazakov, que se fixou no Quirguistão em 2014. Para Amal Khanum Gadjieva, diretora de um centro cultural em Duchambé, “ele continua a ganhar prémios com as pe ças que escreve. Mas o mérito agora fica no Quirguistão e no Cazaquistão”, onde o trabalho de Abdurazakov é regularmente mostrado. Para Khanum Gadjieva, a cena cultural tajique é lamentável: “Costumo ir à ópera e ao bailado, e geralmente estão mais pessoas em palco do que sentadas na sala.” Se é assim agora, “como é que vão encher as salas do novo teatro? Provavelmente vão obrigar re- gimentos inteiros a irem, ou estudantes e crianças. Mas estes não são os espectadores de que os atores precisam... E quem é levado à força não se importa de fazer barulho a comer ou a falar ao telemóvel”.
O custo do projeto escandaliza Gadjieva. “Há crianças subnutridas, as pensões têm sofrido cortes, há subsídios que estão a ser tirados aos beneficiários, e vai gastar- se dinheiro em mais um teatro?”, interroga- se a tajique.
Boa parte desse dinheiro acabará nos bolsos de vários responsáveis governamentais – esta é, pelo menos, a convicção de tajiques ouvidos pelo Eurasianet. Todo o projeto encontra- se envolvido em segredo, só sendo conhecido o custo estimado da obra – os cerca de 93 milhões de euros ou 600 milhões de somonis, a moeda tajique – e que a verba está contemplada no orçamento de Estado. A dimensão da obra é justificada por um responsável do Ministério da Cultura, Khabib Sulaimoni, que disse ao Eurasianet ser necessário que o Tajiquistão tenha um teatro nacional. E será um incentivo para o desenvolvimento da dramaturgia nacional. Sulaimoni revelou que perto de 70 futuros elementos da equipa que vai trabalhar no “maior teatro da Ásia Central” estão a viajar pelo estrangeiro, a estudar diferentes experiências dramatúrgicas para aplicarem no Tajiquistão os melhores exemplos quando regressarem.
Alguns tajiques pensam que o projeto servirá para desviar fundos de certos dirigentes