Diário de Notícias

Editoras independen­tes querem marcar a diferença na indústria nacional

Trazem ao I Mercado de Música Independen­te, no Príncipe Real, “todas as edições que ainda não existem”, asseguram.

- POR Mariana Pereira

Podia não passar- se nada. Uma tarde cinzenta no Príncipe Real, em Lisboa. O Picadeiro Real do Antigo Colégio dos Nobres, parte do Museu de História Natural, está deserto, à exceção das senhoras da limpeza. Lá dentro, ao fundo, um pequeno palco e, de ambos os lados ao longo do picadeiro, mesas cinzentas. Então chega o jornalista Rui Miguel Abreu com uma pequena tropa atrás. É ele o responsáve­l pela programaçã­o do primeiro Mercado de Música Independen­te que aqui começou na noite de ontem com os concertos de Tó Trips, Beautiful Junkyards e do escocês Alasdair Roberts. Mercado que hoje ( 11.00) e amanhã ( 12.00) abre as portas de um interior já repleto de bancas.

É Abreu, também, o responsáve­l pela presença desta pequena tropa que chega. São editores indepen- dentes de música. Claro que Bruno Carvalho, da D. I. S. C. O. Texas ( Moullinex, Mirror People), é Xinobi, e claro que Manuel Fúria, que ali representa as editoras Amor Fúria ( Capitães d’Areia) e a Flor Caveira ( Samuel Úria), é ele mesmo músico. Como as irmãs Maria e Júlia Reis, e também Lourenço Crespo, que ali representa­m a Cafetra ( Coelho Radioactiv­o, Éme), são o duo de

rock Pega Monstro. Mas tratemo- los como editores da música independen­te que, segundo avançou ao DN Nuno Saraiva, vice- presidente da Associação de Músicos Artistas e Editoras Independen­tes, representa entre 20% e 25% do mercado em Portugal. Avisa, contudo, que esta é uma estimativa que ainda não está fixada.

Os editores que temos à frente são novos. Maria é a mais jovem, com 21 anos, e Bruno o mais velho, com 36. Como é que se preparam para este mercado? “Trazemos o que não está esgotado. Trazemos todas as edições que ainda existem”, diz Fábio Costa, da Lovers & Lollipops ( Medeiros/ Lucas, Cavalheiro), enquanto nos sentamos junto ao que à noite já seria o bar.

A lista de editoras continua. A cada uma das mesas que ontem ali tomava lugar no picadeiro correspond­erá hoje uma editora. Hey Pachuco!, Groovement, Mbari, Príncipe, Chili Com Carne, Pontiaq ou Pataca acrescem. E há outra – pois ainda não se disse como foi Alasdair Roberts parar perto do Príncipe Real –, a norte- americana Drag City. Convidada por Rui Miguel Abreu através do representa­nte na Europa, o português Fred Somsen, a editora de Roberts, de Joanna Newsom, Bonnie “Prince” Billy, Bill Callahan, Ty Segall e aquela que lá para fora levou a Guitarra Portuguesa e o Movimento Perpétuo de Carlos Paredes em vinil.

Mas voltando à espécie de mesa- redonda que ali se formou, Abreu explicava que este primeiro mercado nasceu por convite da Junta de Freguesia de Santo António. Quanto ao “que justifica uma coisa destas, é a extrema boa saúde do tecido de editoras independen­tes que temos em Portugal neste momento. A maior parte do que de bom se está a passar na música em Portugal neste momento tem origem nas editoras independen­tes, são elas que estão a injetar sangue fresco neste corpo moribundo que é a indústria musical.”

Um pouco de divinação resolve- se num instante. O que aconteceri­a ao longo destes dias para que, amanhã às 18.00, quando encerra o mercado, este tivesse corrido bem? “Vender, vender bué”, diz Maria entre os outros, que logo consentem.

Outro aspeto da vida das editoras independen­tes que não tarda em aparecer é a forma como, dentro de cada uma delas, se arregaçam as mangas. “Desde artista a ter de levar com e- mails chatos”, diz Bruno. “Fazer as capas”, lança Maria. “Conduzir bandas, fazer promoção”, acrescenta ainda Fábio. Na Cafetra são três pessoas. “Na Amor Fúria somos dois e às vezes quando há coisas maiores convocamos pessoas. Na Flor Caveira são muitos, para aí dez”, observa Manuel.

O que dizer da edição de música hoje no país? “É mais fácil editar discos hoje”, diz Bruno. O que não significa, contudo, que seja mais barato. “É mais caro”, esclarece. Além disso, o boom do vinil fez que as fábricas “entupissem”, e para se ter um pronto em março, há que mandar fazê- lo em novembro, “máximo dos máximos”, diz Fábio. E há ainda isto: “Eu nunca tive retorno em vinil, porque um disco custa sete euros a fabricar.” No máximo – que significa “um duplo com uma capa XPTO” – vende- os por 20 euros.

Quanto a retorno e a balanço de contas, na Lovers & Lollipops, “regra geral, as receitas não vêm muito de discos e da música em si, vêm dos concertos que se organizam, do agenciamen­to que se faz às bandas, é a única maneira de rentabiliz­ar a coisa. Porque se nos fiarmos só na venda de música... Se calhar na eletrónica é diferente”.

É, diz Bruno da D. I. S. C. O. Texas. “No nosso caso, o digital paga as edições físicas. Eu posso investir em promoção porque o digital [ edições digitais] vai dando algum dinheiro, senão era sempre a perder.” Por esta hora já Fred Somsen se tinha juntado à conversa, para dizer que, na Drag City, o CD, “apesar de continuar a ser o mais forte”, “tem caído brutalment­e, o digital tem mantido mais ou menos e o vinil subiu, mas aquilo que o CD caiu não é o que o vinil subiu, portanto há quebra nas vendas”.

Seja como for, olhemos em redor. “Eu acho que é um bom momento, tens uma data de editoras aqui reunidas”, diz Bruno, ou Xinobi. E ali estão, com “todas as edições que ainda existem”.

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Alguns dos editores que integram o primeiro Mercado da Música Independen­te e Rui Miguel Abreu ( à esquerda), que o programou

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