Diário de Notícias

Retratos a preto e branco mostram de que são feitos 28 Eminentes Arquitetos

Álvaro Siza é um dos arquitetos que a alemã Ingrid von Kruse revela na exposição que até 15 de agosto pode ser vista no MUDE.

- POR Mariana Pereira

Quando Ingrid von Kruse entrou no ateliê de Álvaro Siza Vieira encontrou “rolos de papel e cinzeiros cheios”. Mas, “de repente, entra este homem muito pequeno. Não disse ‘ sou o Álvaro Siza’, e ele era tão pequeno e tão não extraordin­ário. Não pensei que pudesse ser ele”. “Ingrid, sente- se”, disse então Siza. Finalmente, a fotógrafa alemã percebeu de quem se tratava. Siza, de quem ela diz que, de tanto fumar, “é ele mesmo um cigarro”. Achou- o extraordin­ário, “muito modesto”, comoveu- se quando visitou o Museu de Serralves – da sua autoria – e notou que, no seu ateliê, as maquetes são feitas com pequenos pedaços de papel unidos por “pequenas agulhas”: “Isto é muito invulgar!” E ele é “eminente”, como os restantes arquitetos que Ingrid von Kruse retratou em Arquitetos Eminentes, projeto que nasceu livro em 2011 e agora está em exposição nas paredes e vitrinas do MUDE – Museu do Design e da Moda, em Lisboa.

Parece em tudo uma típica septuagená­ria alemã, os olhos claros, o sorriso pronto, a cordialida­de do aperto de mão. E todavia, por detrás da sua Hasselblad – sempre, sempre analógica e com filme a preto e branco –, já retratou Pina Bausch, José Saramago, Leonard Bernstein, Mikhail Gorbachev, Federico Fellini ou Jacques Delors.

Arquitetos Eminentes começou tanto quando o escultor Tony Cragg lhe disse que deveria fotografar o arquiteto Norman Foster como quando visitou o Arp Museum Bahnhof Rolandseck em Remagen, projetado por Richard Meier, e “a luz estava extraordin­ária”. Quis saber quem eram esses homens que desenham as nossas casas e nos esculpem as paisagens, que se fazem iminentes ( sim) à custa de ser o espaço a sua tela primeira. Até essa altura, Ingrid “não tinha uma relação especial com a arquitetur­a”. Precisava, portanto, de um guia. O prémio Pritzker – considerad­o o Nobel da Arquitetu- ra – e seus vencedores constituía assim, salvo exceções, um decisivo fator de escolha no conjunto escolhido que partilha uma sala do MUDE com a exposição Arquitetos Designers, da coleção Francisco Capelo. Zaha Adid, Mario Botta, Oscar Niemeyer e Siza Vieira são comuns às duas exposições.

Ingrid escreveu a todos cartas à mão. E, quando não esperava: “Quando pode vir?”, começavam a perguntar as respostas. Ingrid correu o mundo ao encontro deles, queria ver como falavam, como escreviam, como era o seu traço ao desenharem. É assim que vemos os rostos captados a preto e branco, alguns esboços e uma nota sobre arquitetur­a escrita à mão por Tadao Ando, Frank Ghery, Rafael Moneo ou Peter Zumthor – alguns dos vinte e oito Arquitetos Eminentes.

“Todos têm muitos ciúmes uns dos outros, não gostam de ser mostrados junto aos outros.” Todos perguntava­m quem mais faria parte do livro e “são muito críticos”, contava Ingrid na manhã da inauguraçã­o, quinta- feira, durante a montagem. Havia uma só exceção: Álvaro Siza. “Todos aceitam Siza, ninguém tem nada contra ele. Isso é alguma coisa.” Ele que, na nota escrita, descreveu o “processo de um projeto” assim: “coro cujo som se vai tornando reconhecív­el, sem maestro mas com alguém que, continuame­nte e nunca isolado, receba, associe, redistribu­a e de novo receba. E esta não é uma descrição poética ou dramatizad­a. É a descrição do que é, do que se passa no interior de uma equipa”. Tudo para chegar à “mais eficaz e intemporal funcionali­dade: a beleza”.

Já Peter Zumthor “é muito negro, silencioso, fechado”. E falou? “No final falou, mas não muito.” A nota que enviou a Ingrid estava escrita nas costas de um postal com a fotografia de paisagens dos Alpes que mostravam, a preto e branco, os campos trabalhado­s pelos agricultor­es. “Land Art” chamou- lhe Zumthor, que dela disse ser “a concretiza­ção das necessidad­es: dura, direta, próxima dos objetos, evoca as mais bonitas formas”.

Oscar Niemeyer? “A minha viagem [ ao Brasil] em retrospeti­va é um mau sonho.” Ingrid apanhou um avião de Hamburgo, onde vive, para o Rio de Janeiro, onde num dia de 2009 deveria encontrar o arquiteto brasileiro. Tudo estava agendado, Siza tinha sido o primeiro intermediá­rio: “Devia ir ver o meu amigo Niemeyer.” Ao chegar: ninguém. O arquiteto tinha sofrido um acidente. Encontrou uma antiga casa onde ele tinha vivido. “Tudo era feio, sujo.” No dia anterior tinha havido uma tempestade e, por isso, não havia luz. Ora, Ingrid não usa flash. E, de resto, de Niemeyer nada. Mas eis que aparece a maquete da Catedral Metropolit­ana da Nossa Senhora Aparecida, de Brasília. Ingrid levava uma amiga consigo, por acaso engenheira, que conseguiu improvisar um circuito elétrico para alumiar a maquete. Ingrid espreita pela lente e eis Niemeyer. Não em carne e osso, mas numa fotografia antiga. E é assim que o encontramo­s retratado.

De Frank Gehry não gostou. “Ele tem muita imaginação, é um arquiteto excecional, mas não o mais simpático.” Ieoh Ming Pei é “um grande arquiteto, um homem pequeno e sorridente, mas é um ditador”. Phyllis Lambert? “Ela é um monstro, pode ver como ela é um monstro. Mas foi tão educada comigo.” David Chipperfie­ld – o seu preferido, confessa – “não é um homem bonito, mas ele sabe- o”. E todavia, deve ser mais do que isso a beleza. Essa “mais intemporal funcionali­dade” que alguns constroem para que a habitemos.

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Fotografia. Ingrid von Krause diz que detesta ser fotografad­a e, a contragost­o, olha para a câmara junto ao retrato que fez de Peter Zumthor durante a montagem da exposição que inaugurou dia 23
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O retrato de Álvaro Siza Vieira em Eminent Arquitects

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