Diário de Notícias

Beatriz Gosta, a miúda que fala sem filtro

É para rir, é para passar uma mensagem feminista e sai da cabeça de Marta Bateira, aquela miúda que está no palco com Capicua e se tem cultivado no hip hop, com o nome de M7

- POR Lina Santos

Beatriz Gosta é “entretenim­ento puro, gargalhada rápida, divertida, animar o pessoal”. E depois “tem uma parte muito de dar dicas, é para abrir caminho para mulheres”. “Eu ainda sinto essa desigualda­de, é para os nossos filhos, para as nossas filhas, para os homens mudarem de atitude, para as mulheres ficarem mais fortes.” Quem o diz é Marta Bateira, a criadora dessa miúda que usa o sotaque do Porto cerrado, que fez suas muitas expressões brasileira­s, que olha para a câmara sem medo, e que fala sobre sexo. Há expressões que precisam de “piiiiiis” mas talvez seja mais justo dizer que o que conta não deixa muito para a imaginação.

O humor em Beatriz Gosta é a história que ela conta, quase sem fôlego, entrecorta­da com os seus hello? e “pau, pau, pau”. “Não há uma punchline, é a maneira como a Beatriz fala, a intensidad­e, tudo”, explica. No episódio 1, Pack Night, ela diz o que uma “dama” deve levar na mala quando sai à noite ( óculos, escova de dentes, uma tanga...) e como saber se está tudo bem. “Tenho dentes da frente? Está tudo ótimo. Não deu quebra de tensão, não bati na cerâmica.” Chegou ao YouTube há dois meses, já foi visto 68 500 vezes. De 15 em 15 dias, aparece novo material.

Fala de sexo ocasional, fala do que corre mal na cama, fala de sexo oral, fala dos assuntos que não é costume meninas falarem. “Digo coisas muito fortes mas as pessoas acabam por não levar a mal, porque digo com este calão, com esta gíria. Apesar de às vezes ter um vocabulári­o muito forte e ser muito gráfico, não é gratuito. É uma personagem.”

“Tem coisas reais, tem coisas fictícias. As minhas amigas, os meus amigos, a gente troca umas ideias firmes, conta uns babados, ri- se”, esclarece Marta Bateira, 32 anos. “Sou boa de bate- papo. Vamos jantar fora e já vais contando a vida. Por isso é que o pessoal se identifica com aquelas histórias. Percebe o que se está ali a passar. Ou então vives em condomínio fechado e não sabes nada”, considera, sen - tada num quiosque no Parque Eduardo VII, de direta, menos de 24 horas depois de ter subido ao palco no Lux, no concerto de Capicua, que aparece no genérico como coautora de Beatriz Gosta e a batizou a partir da atriz Beatriz Costa, que lhe lembrava a amiga traquina. São amigas há metade da vida.

Diz que tem “bué heterónimo­s”. “À noite sou Isabel, supermegao­usada. Também tenho uma traveca que a Beatriz também tem um bocado. Tenho a M7 no rap, ainda ontem cantei com a Capicua.” E a Marta? “A Marta é mais calma, se não, credo, tinha um ataque cardíaco.” E mais uma vida. De segunda a sexta, é designer de moda, o seu curso, numa empresa têxtil em Paredes. São todas feministas “sem medo do conceito”, assegura.

Tão traquina como nos vídeos, mas com uma voz mais doce, fala alto, diz que é mesmo assim. Custa a crer que já foi tímida, a brincar às bonecas, à macaca e ao elástico com a vizinha da frente na Rechousa, Vila Nova de Gaia, onde passou a infância. Entretanto, muda para o Porto. “Coincide com a minha adolescênc­ia. As vespas, os rapazes, os surfistas, descobrir- me como mulher, e conheci a Ana que já era PSR. Os acampament­os, eles muito à frente, o meu pai sempre a dizer ‘ não, não podes’. Era muito rebelde. Ia de camião até Roma. Fui até Vilar Formoso de camião com uma amiga. Pedi uma buga [ boleia]. Quatro dias depois estava em Roma, sem ele saber.” Com Capicua começaram os grafitti. “Com elas conheci o mundo e comecei a desenvolve­r a minha personalid­ade. Mais politizada, com mais consciênci­a, mais curiosa.”

Há um ano que Marta queria pôr esta personagem no ar. O primeiro resultado não a convenceu. “Fiasco total, fracasso, uma coisa brega. Eu preciso dessa imagem para me proteger, essa imagem boa, forte, para não parecer...” A Katyzinha?, interrompe­mos. “... Sim, mas não queria estar a matá- la porque gosto dela.” Explica- se: “[ Beatriz Gosta] tem aspeto de vlogue mas tem muito mais qualidade do que estar em cima da cama a falar, aquilo é simulado.” Aquilo é o trabalho de André Tentúgal e Vasco Mendes ( realização e edição). A Capicua faz a produção, o Vítor Ferreira faz as ilustraçõe­s e o Pedro Geraldes fez a música do genérico. Tudo está “pensado e repensado”, garante.

A mais nova de quatro irmãos diz que o pai, economista, não vê Beatriz mas já vai gostando. “O meu pai não vê, não quer ver. Não gosta. Acho ótimo, não quero que ele veja. Não me vai inibir, nada me vai impedir. Os pais não têm sexualidad­e para os filhos e os filhos não têm sexualidad­e para os pais. Ponto.” “Eu estou feliz, estou encaminhad­a, é o que ele quer.”

Beatriz é editada em grupo. Às vezes de direta ( todos trabalham em outros projetos). “O pessoal já sabe a história e ri na mesma”, conta. Já têm 16 episódios gravados, o próximo entra no dia 3 de maio. É o princípio. “O que pretendo com Beatriz é que cresça tal como M7. Tenho algumas ideias mas quero stand- up comedy, sair do YouTube, ir para fora. Sair para outros formatos.”

 ??  ?? Marta Bateira, 32 anos, designer de moda a pensar crescer como Beatriz Gosta e M7, o heterónimo no rap
Marta Bateira, 32 anos, designer de moda a pensar crescer como Beatriz Gosta e M7, o heterónimo no rap
 ??  ?? M7 durante a digressão de verão de Capicua
M7 durante a digressão de verão de Capicua

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal