Diário de Notícias

O comunista reacionári­o, académico e acessível

Os livros de Paulo Varela Gomes parecem dar mais prazer a quem lê do que a quem escreveu. A aparente contradiçã­o surge do facto de, em dois anos, o autor espalhar a assinatura por quatro volumes, cheios de ideias e de aventura, qualquer que seja o modelo

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- hippie com que tomámos contacto noutros escritos e relatos. Aqui, acredito, o embrulho lúdico vale apenas como uma via rápida para chegarmos ao coração de uma terra que, feitas as contas, ainda divide paternidad­es e referência­s, por mais definida que esteja a sua condição administra­tiva.

Mais uma vez, como em Hotel e nas crónicas de Ouro e Cinza, há um esforço teimoso e, à primeira vista, paradoxal do autor: por um lado, não desaprovei­tar nem ignorar o conhecimen­to adquirido enquanto professor ( de História da Arquitetur­a e da Arte) e comunicado­r ( por exemplo, em séries documentai­s de TV ou em publicaçõe­s académicas), deixando que este se impregne suavemente em cada quadro e em cada situação; por outro, não carregando no tom, o que não significa caminhar para o facilitism­o mas sim para a acessibili­dade.

Personalid­ade singular, já o ouvi definir- se como “comunista reacionári­o e utópico”. Presumo que por sabedoria e intuição quanto aos correntes mecanismos sociais, por desconfian­ça face a um “progresso” que tem que se lhe diga, por consciênci­a de que há ideais que a prática arrasa todos os dias, ou quase. Vale a pena conhecê- lo, através deste quadrado de livros que, se calhar, sem ilusões de ótica, acaba por reconhecer- se como um círculo. Isto se quisermos deixar de fora Peep Show e Encontro à Beira do Arno, que publicou com intervalo de uma dúzia de anos, assinando Heliogábal­o. Ou, para levar a arqueologi­a ao extremo, o volumezinh­o Declaração de Guerra, que assinala agora três décadas e continua a bater com compasso cardíaco de sobressalt­o. Aí, a assinatura era outra: Peter Nero Wolf. Esse título justifica o remate: um comunista reacionári­o e utópico pode ser um guerreiro de paz, desde que esta não cheire a podre. Com Paulo Varela Gomes, não corremos esse risco. Era Uma Vez Em Goa

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