Partidários de Franco terão ordenado morte de Lorca
Quase oitenta anos após a morte do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca, um documento ontem revelado pela rádio Cadena SER vem dar razão à tese defendida pela família: descrito como maçom, socialista e homossexual, Lorca terá sido executado p
Odocumento, redigido pela polícia franquista em 1965, já fora referido por Eduardo Molina Fajardo, no livro Os Últimos Dias de Federico García Lorca, publicado em 1983. Mas não fora reproduzido na obra que apresentava apenas um resumo do que ontem a rádio espanhola Cadena Ser revelou na íntegra. E quase oitenta anos depois da morte de García Lorca, foi finalmente revelada informação que sustenta a teoria da família do poeta e dramaturgo natural de Granada: foi detido e assassinado por partidários de Franco. Levanta- se assim, finalmente, o véu sobre a verdadeira razão da morte de um dos poetas espanhóis mais lidos no mundo.
O documento, obtido pela Cadena SER, é um registo feito à máquina por um polícia não identificado, em Granada, no dia 9 de julho de 1965, redigido para responder ao pedido da escritora francesa Marcelle Auclair, feito através do embaixador espanhol em Paris, do relatório sobre o seu amigo Federico García Lorca para a elaboração de uma biografia sobre o poeta. E aí, preto no branco, está expressa a responsabilidade política dos partidários de Franco na detenção e no assassínio do poeta em 1936: “No quartel da Falange, instalado na Calle de San Jerónimo, encontravam- se o chefe de bandeira Don Miguel Rosales Camacho quando se apresentaram o deputado Don Ramón Ruiz Alonso, Don Juan Trescastro, Don Federico Martín Lafos e alguns outros que não se puderam precisar, com uma ordem de detenção resultante do Governo Civil contra Federico García Lorca”.
No parágrafo seguinte, o documento descreve o que aconteceu com Federico García Lorca depois de ter sido detido numa operação que envolveu, segundo o documento, soldados das Guardias de Asalto ( as forças de segurança do regime franquista); o poeta, detido em casa de uns amigos onde se escondera após ter tomado conheci- mento de duas buscas à sua casa, foi levado aos “calabouços [ da sede do] Governo Civil” de Granada”.
O autor do relato de 1965, intitulado “Assunto: Antecedentes do poeta Federico García Lorca”, no seu texto de duas folhas descreveu Lorca como “maçom pertencente à loja de Alhambra, em que adotou o nome de Homero sem se saber o grau que alcançou na mesma. Estava também conotado como socialista pela tendência das suas manifestações. E estava carregado de práticas homossexuais, aberração que chegou a ser vox populi...”.
Mais à frente, o registo diz que García Lorca foi retirado do local e conduzido às “imediações do lugar conhecido como Fonte Grande”, juntamente com outro detido que não é identificado. Aí “foi fuzilado depois de ter confessado, sendo enterrado naquele local, muito à superfície, numa ravina”.
Os restos mortais do autor de Bodas de Sangue, fuzilado aos 38 anos, no dia 19 de agosto de 1936 – um mês após o início da Guerra Civil Espanhola – nunca foram encontrados. E mesmo com a ajuda do documento a tarefa não se apresenta fácil. No texto de 1965, a própria polícia reconhece que o relato sobre a morte de Lorca é confuso, referindo que o local onde foi fuzilado e depois enterrado “é muito difícil de identificar”.
Redigido pela 3. ª Brigada Regional de Investigação da Polícia de Granada, a pedido de Marcelle Auclair, o relato nunca chegou à amiga daquele que é considerado um dos grandes nomes da literatura espanhola. O pedido da embaixada espanhola foi depois remetido ao então ministro dos Assuntos Exteriores, Fernando María Castiella, explica o diário El País, refazendo a lista de quantos estiveram envolvidos na resposta a este pedido, que inclui também o então ministro da Informação e Turismo, Manuel Fraga. “Creio conveniente revermos a questão e averiguar se podemos ou não abrir os nossos arquivos sobre o episódio García Lorca”, terá afirmado Fraga, segundo uma carta de Castiella também revelada. Assim, foram redigidas as tais duas páginas que, no entanto, nunca chegaram às mãos de Marcelle Auclair.
Nascido no dia 15 de junho de 1898, em Fuente Vaqueros, nos arredores de Granada, Federico garcía Lorca estudou Filosofia e Letras, bem como Direito – acredita- se, pela imposição dos pais –, na Universidade de Granada. Os anos que ali passou exerceram uma enorme influência na sua carreira literária, partilhando conhecimentos com escritores, artistas e intelectuais que se reuniam no Rinconcillo. Já em Madrid, para onde se mudou em 1919, juntamente com outros intelectuais granadinos, o poeta fundou a revista literária Gallo, que contou – em apenas dois números publicados – com a participação de nomes como Salvador Dalí e Pablo Picasso.