Diário de Notícias

Publicar um livro está ao alcance de todos

Na quinta- feira, Dia do Livro, a Chiado Editora instalou- se na Avenida da Liberdade, recebeu originais e produziu um livro em apenas um dia

- Maria João Caetano POR

Luíse traz uma pen na sua mala. E, lá dentro, entre outros documentos, tem um text o intitul ado O Desper t ar de Ambos. É uma pequena história de amor. “Muito simples”, diz ela, timidament­e. Brasileira, de 20 anos, Luíse Fialho está em Lisboa num intercâmbi­o que l he per mite es t udar durante s ei s meses no Insti t uto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Gosta de escrever mas nunca public ou nenhum dos s eus contos. Até que, no outro di a, es t ava a “passear” na i nter net e encont r ou uma notíciaque dizia que nesta quinta- feira, Dia Mundial do Livro, a Chiado Editora ia estar na Avenida da Liberdade a selecionar contos para umlivro que seriafeito integral mente nesse dia. E decidiu tentar a sua s or te. “Játinha o conto meio pronto, terminei- o ontem à noite”, relata.

Como ela, Maria João Ferreira achou a ideia de tal forma boa que, pela primeira vez, atreveu- se a escrever ficção. Terapeuta da fala, com 52 anos, Maria João tem neste momento um livro quase a sair pela Chiado, mas é um livro técnico, sobre a sua área de trabalho. “Mas entusiasme­i- me e escrevi um conto”, diz, animada. Ao longo de toda a manhã, foram muitos os que apareceram no escritório improvisad­o da Chiado Editora instalado junto ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra para apresentar­em os seus textos. Tratados os assuntos burocrátic­os – a assinatura de uma declaração de cedência de direitos de autor – e entregue o texto, o processo ficava nas mãos dos profission­ais da editora. Revisão e paginação eram feitas ali mesmo. Num outro computador, nascia a capa do livro a partir de uma fotografia da Avenida da Liberdade. O objetivo era selecionar 50 contos de dois mil caracteres cada, até às 13.00. Enviar o livro para a gráfica e ter mil exemplares prontos, ao fim do dia, para distribuir gratuitame­nte na rua. Um livro num dia.

O evento representa bem o espírito da Chiado Editora, que foi criada em 2008 por Gonçalo Martins, antes de mais para responder às suas inquietaçõ­es como leitor: “Senti que o mercado estava amorfo. Uma pessoa ia a uma livraria, procurava coisas diferentes mas encontrava sempre os mesmos autores. E o que descobri, entretanto, foi que havia muitos livros nas ga- vetas. Livros que tinham sido enviados para outras editoras mas que nunca sequer tinham sido avaliados.” Na Chiado isso não acontece, garante. Todos os autores recebem uma resposta, positiva ou negativa, no prazo de 10 dias.

Gonçalo Martins nunca tinha trabalhado no mercado editorial e, pelo menos no início, contratou outras pessoas que também não vinham da área. “Queria fazer um projeto out of the box”, explica. Sem os vícios do mercado que já existia, trazendo para a área do livro ideias e processos de trabalho que são comuns noutras áreas. “O mais importante era a democratiz­ação da literatura. Queremos publicar o máximo de livros que possam interessar ao maior número de pessoas.” Isto não significa que a editora publique tudo. A Chiado recebe em média 400 a 500 originais por mês. “Não somos uma editora de tendência nem de nicho mas recusamos livros todos os dias”, garante o responsáve­l. Os autores não têm de pagar a publicação, mas o seu contrato pode obrigá- los a comprar um determinad­o número de exemplares. “Cada caso é um caso. No primeiro contrato que fizemos com o Pedro Chaga Freitas ele também teve de comprar livros. Depois deixou de ter essa obrigação e depois passou a receber direitos de autor”, explica o responsáve­l. Pedro Chagas Freitas é o autor mais conhecido da Chiado e os seus livros estão frequentem­ente nos tops de vendas.

Rapidament­e, os números disseram a Gonçalo que ele tinha razão. A Chiado começou com um pequeno escritório montado em casa e um investimen­to inicial de 1500 euros e, desde então, não parou de crescer. No ano passado publicou mais de mil títulos só em Portugal. Neste momento, a equipa é composta por 37 pessoas ( incluindo as que trabalham na gráfica própria) a que se juntam outros tantos colaborado­res. Além da sede na Avenida da Liberdade, em Lisboa, a editora já tem um escritório em São Paulo ( 25% dos livros que a Chiado publica vêm do Brasil) e trabalha ativamente no mer- cado dos países de língua oficial portuguesa. O volume de negócios ultrapasso­u os dois milhões de euros em 2014 e a expectativ­a é que, este ano, cresça até aos 3 milhões. Na sua página de Facebook, que está constantem­ente a ser atualizada, a Chiado Editora tem mais de dois milhões de likes.

Gonçalo Martins sabe que muitos olham para a sua editora com algum preconceit­o mas isso não o incomoda. “Sente- se uma resistênci­a, o que é natural. Isso significa que estamos verdadeira­mente a inovar”, diz. “O livro era ainda um objeto precioso, mas com as novas tecnologia­s isso tem vindo a mudar. Fazer um livro é cada vez mais fácil, rápido e barato.” A prova está neste Um Livro Num Dia, feito integralme­nte na quinta- feira, e já à venda nas livrarias reais e virtuais, por 12 euros.

A Chiado Editora foi criada em 2008 e tem vindo sempre a crescer. No ano passado publicou mais de 1000 títulos

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Maria João Ferreira entregou o seu texto a uma das responsáve­is do departamen­to editorial que o ia ler e avaliar

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