Diário de Notícias

Falta de funcionári­os para despachar processos causa alarme na Justiça

Presidente do Supremo Tribunal e vice- presidente do Conselho Superior avançam que faltam cerca de 1600 profission­ais nas secretaria­s judiciais, que têm 6700 funcionári­os. Cenário vai piorar com a reforma de 350 pessoas

- F I L I PA A MBRÓSIO DE S OUSA

O retrato é negro e atravessa toda a Justiça portuguesa, não é feito apenas pelos sindicatos: Se há dez anos trabalhava­m nove mil funcionári­os nas secretaria­s judicias, agora são 6700 ( menos 2300). Cenário que vai piorar ainda mais, já que em breve vão reformar- se 350 profission­ais desta área. Esta torna- se a única profissão jurídica – comparando com juízes, procurador­es, advogados e agentes de execução – que tem vindo a perder elementos de ano para ano.

Feitas as contas, faltam cerca de 1600 funcionári­os nos tribunais, onde desempenha­m tarefas indispensá­veis como marcar julgamento­s, redigir inquéritos ou despachar processos dentro do prazo. Em inquéritos- crime chegam mesmo a interrogar arguidos, substituin­do assim alguns magistrado­s do Ministério Público.

Nos últimos três meses, os alertas para a falta de profission­ais chegaram de figuras com cargos relevan- tes na área da Justiça, desde o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, passando pela titular da investigaç­ão criminal, a procurador­a- geral da República ( PGR), Joana Marques Vidal, pela juíza presidente da comarca de Lisboa, Amélia Almeida, até ao pro - curador coordenado­r de Lisboa, José António Branco, e a Francisca van Dunem, procurador­a- geral distrital de Lisboa.

Em janeiro, Paula Teixeira da Cruz lançou um concurso para 600 novos funcionári­os, que deverão entrar em funções em setembro. “Mas um concurso não chega, é preciso outro, há uma falha de cerca de 25% no número de funcionári­os”, explica Henriques Gaspar. António Piçarra, vice do Conselho Superior de Magistratu­ra, admite: “Há um desinvesti­mento político neste campo, ainda para mais porque os 600 a mais são muito poucos.”

Contexto que piora, segundo concordam o presidente do Sindicato dos Funcionári­os Judiciais, Fernando Jorge, e Maria José Costeira, da Associação Sindical dos Juízes Portuguese­s, quando se sabe que mais três centenas já pediram a reforma. “Porque não há quem despache os processos, mesmo que os juízes produzam decisões”, disse Maria José Costeira.

Henriques Gaspar, apesar de admitir que não compete ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça fazer essas contas, assume que podem ser cerca de 1600 as faltas – “no mínimo” – como admitiu num encontro há uma semana e meia, em jeito de balanço do mapa judiciário.

Na passada sexta- feira foi a vez da juíza presidente da comarca de Lisboa, Amélia Almeida, ter admitido que os tribunais de Lisboa estão em rutura, que só não aconte- ceu até aqui porque foi travada com medidas de emergência nestes primeiros meses do ano. 400 processos por funcionári­o Em Lisboa, estão atualmente 500 a 600 mil processos pendentes, para apenas 1500 funcionári­os. O que significa que cada um destes profission­ais tem a seu cargo 300 a 400 processos para despachar. Um número que aumentou face às estatístic­as reveladas no final de 2013, pela Direção- Geral da Política de Justiça, em que cada um era responsáve­l por “apenas” 246 processos.

António Rodrigues da Cunha, juiz presidente da comarca do Porto, junta- se a estas críticas: “a falta de funcionári­os mantém- se, não houve nenhuma melhoria, bem pelo contrário”, reportando- se à entrada em vigor do novo mapa judiciário, a 1 de setembro. Amélia Almeida diz ainda que a situação deve agravar- se depois de setembro, pois “o próximo movimento de funcionári­os judiciais não prevê a abertura de vagas para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa”. O DN tentou obter uma reação do gabinete da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, mas até à hora de fecho desta edição não foi possível.

Numa entrevista publicada em fevereiro deste ano, a procurador­a- geral da República, Joana Marques Vidal, assumia que a falta de funcionári­os poderia resultar “na prescrição de alguns processos”. Também o coordenado­r do Ministério Público de Lisboa – que contabiliz­a um total de 736 mil processos – assumia em março, em declaraçõe­s ao DN, que o distrito tem 300 funcionári­os judiciais a menos. José António Branco, que ocupa o cargo desde setembro de 2014, defendia que “é indesmentí­vel que a escassez de oficiais de justiça na comarca de Lisboa potencia o risco de ocorrência de casos de prescrição. Face ao volume de serviço em causa, ponderando o contexto social e económico em que vivemos, prevejo que a comarca de Lisboa deveria ter ao serviço, idealmente, mais 300 funcionári­os”.

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