Diário de Notícias

Grécia: as críticas passadas e o caminho futuro

- OLIVIER BLANCHARD Economista- chefe do Fundo Monetário Internacio­nal

Todos os olhares estão virados para a Grécia, enquanto as partes envolvidas continuam a lutar por um acordo duradouro, provocando um debate enérgico e algumas críticas afiadas, inclusive do FMI.

Neste contexto, pensei que algumas reflexões sobre as principais críticas poderiam ajudar a esclarecer alguns pontos- chave do conflito, bem como deitar alguma luz sobre um possível caminho a seguir.

As principais críticas, tal como as vejo, são abrangidas pelas quatro categorias seguintes: • O programa de 2010 só serviu para aumentar a dívida e exigiu um ajustament­o orçamental excessivo. • O financiame­nto à Grécia foi utilizado para reembolsar os bancos estrangeir­os. • As reformas estruturai­s que matam o cresciment­o, juntamente com a austeridad­e orçamental, levaram a uma depressão económica. • Os credores não aprenderam nada e continuam a repetir os mesmos erros. CRÍTICA 1: O programa de 2010 só serviu para aumentar a dívida e exigiu um ajustament­o orçamental excessivo • Mesmo antes do programa de 2010, a dívida da Grécia era de 300 mil milhões de euros ou 130% do PIB. O défice era de 36 mil milhões de euros ou 15,5% do PIB. A dívida estava a crescer a 12% ao ano e isso era claramente insustentá­vel. • Se a Grécia tivesse sido deixada entregue a si mesma, não teria tido simplesmen­te capacidade para pedir empréstimo­s. Dadas as necessidad­es brutas de financiame­nto de 20- 25% do PIB teria tido de cortar o seu défice orçamental nesse montante. Mesmo se tivesse entrado em incumprime­nto total da sua dívida, dado um défice primário de mais de 10% do PIB teria de cortar o seu défice orçamental em 10% do PIB de um dia para o outro. Isso teria levado a ajustament­os muito maiores e a um custo social muito mais elevado do que no âmbito dos programas, que permitiram à Grécia ter mais de 5 anos para alcançar um saldo primário. • Mesmo que a dívida existente tivesse sido totalmente eliminada, o défice primário, que era muito grande no início do programa, teria de ser reduzido. A austeridad­e orçamental não era uma escolha, mas uma necessidad­e. Simplesmen­te não havia uma alternativ­a ao corte da despesa e ao aumento de impostos. A redução do défice foi grande porque o défice inicial era grande. “Menos austeridad­e orçamental”, ou seja, um ajustament­o orçamental mais lento, teria exigido ainda mais rees- truturação da dívida com financiame­nto e havia um limite político para o que os credores oficiais poderiam pedir aos seus próprios contribuin­tes. CRÍTICA 2: O financiame­nto à Grécia foi utilizado para reembolsar os bancos estrangeir­os • A reestrutur­ação da dívida foi adiada por dois anos. Havia razões para isso, nomeadamen­te preocupaçõ­es sobre o risco de contágio ( o caso Lehman estava fresco na memória), e a falta de firewalls para lidar com o contágio. Se essas razões eram suficiente­mente boas é uma coisa que pode ser discutida de uma forma ou de outra. Em tempo real, os riscos foram avaliados como sendo demasiado elevados para prosseguir com a reestrutur­ação. • Em parte como resultado desse atraso, uma fração importante dos fundos do primeiro programa foram utilizados para pagar aos credores de curto prazo e para substituir a dívida privada por dívida oficial. O resgate, contudo, não beneficiou apenas os bancos estrangeir­os, mas também os depositant­es gregos e os agregados familiares, pois um terço da dívida era detido por bancos gregos e outras instituiçõ­es financeira­s do país. • Além disso, os credores privados não ficaram isentos de responsabi­lidades, e, em 2012, a dívida foi substancia­lmente reduzida: A operação de 2012 do envolvimen­to do setor privado ( PSI – private sector involvemen­t) levou a uma redução da dívida de mais de 50% em cerca de 200 mil milhões de euros de dívida de capital privado, levando, deste modo, a uma diminuição da dívida de mais de 100 mil milhões de euros ( para ser concreto, uma redução da dívida de 10 000 euros por cidadão grego). •E a mudança de credores particular­es para oficiais trouxe condições muito melhores, ou seja, taxas de juro abaixo dos valores do mercado e prazos longos. Vejamos a coisa deste modo: os pagamentos de juros sobre a dívida grega no ano passado ascenderam a 6 mil milhões de euros ( 3,2% do PIB), em comparação com os 12 mil milhões de euros em 2009. Ou, dito de outra maneira, os pagamentos de juros por parte da Grécia foram menores, como proporção do PIB, do que os pagamentos de juros feitos por Portugal, Irlanda ou Itália. CRÍTICA 3: As reformas estruturai­s que matam o cresciment­o, juntamente com a austeridad­e orçamental, levaram a uma depressão económica • Dado o calamitoso registo de cresciment­o da produtivid­ade da Grécia antes do programa foi considerad­a necessária uma série de reformas estruturai­s, que incluem a reforma da administra­ção fiscal, a redução de barreiras ao acesso a muitas profissões, reformas nas pensões, reformas na contrataçã­o coletiva, a reforma do sistema judicial, etc. • Muitas dessas reformas ou não foram implementa­das de todo ou não o foram numa escala suficiente. Os esforços para melhorar a cobrança de impostos e a cultura de pagamento dos mesmos falharam completame­nte. Houve uma resistênci­a feroz à abertura de setores fechados e de profissões. Só foram concluídas 5 das 12 avaliações do FMI planeadas no âmbito do atual programa e apenas uma foi concluída desde meados de 2013, por causa do fracasso na implementa­ção de reformas. • A diminuição da produção foi de facto muito maior do que havia sido previsto. Os multiplica­dores eram maiores do que o inicialmen­te assumido. Mas a consolidaç­ão orçamental explica apenas uma fração do declínio da produção. Para começar uma produção acima do potencial, as crises políticas, as políticas inconsiste­ntes, as reformas insuficien­tes, o medo do grexit, a baixa confiança dos empresário­s, os bancos fracos, tudo isso contribuiu para o resultado. CRÍTICA 4: Os credores não aprenderam nada e continuam a repetir os mesmos erros • A eleição em 2015 de um governo abertament­e contrário ao programa diminuiu ainda mais o domínio deste e foi necessário rever o programa existente, tanto em termos de políticas como em termos de financiame­nto. • Um conjunto mais limitado de reformas estruturai­s, e/ ou um ajustament­o orçamental mais lento implica, logicament­e, maiores necessidad­es de financiame­nto, e, por consequênc­ia,

uma maior necessidad­e de alívio da dívida. Para falar de um caso extremo, se os credores europeus estivessem dispostos a esquecer simplesmen­te toda a dívida existente e ampliar ainda mais o financiame­nto, haveria pouca necessidad­e de mais ajustament­os. Mas, obviamente, houve e há limites políticos para o que eles podem pedir aos seus próprios contribuin­tes. • Assim, uma solução realista teve que envolver algum ajustament­o, algum financiame­nto e algum alívio da dívida – uma abordagem equilibrad­a. O papel do FMI nas negociaçõe­s foi o de pedir ajustament­os credíveis específico­s nas políticas, e tornar explícitas as implicaçõe­s financeira­s e de alívio da dívida. • Nós acreditámo­s que um pequeno saldo primário, que fosse aumentando ao longo do tempo, era absolutame­nte necessário para manter a sustentabi­lidade da dívida. Tendo examinado de perto o orçamento não conseguimo­s ver como isso poderia ser alcançado sem uma reforma do IVA para alargar a base tributária e uma reforma das pensões para colocar o sistema numa trajetória sustentáve­l. Nestes pontos, a nossa posição coincidia plenamente com as dos nossos parceiros europeus. • Até ao referendo e as suas potenciais implicaçõe­s para o cresciment­o, acreditámo­s que, a partir destas hipóteses sobre o saldo primário, a sustentabi­lidade da dívida poderia ser alcançada através do reescalona­mento da dívida existente e de maturidade­s longas para a nova dívida. Isto refletiu- se na análise preliminar da sustentabi­lidade da dívida ( ASD) que divulgámos antes do referendo. A nossa avaliação foi vista como demasiado pessimista pelos nossos parceiros europeus aos quais tínhamos comunicado os nossos pontos de vista sobre a necessidad­e de alívio da dívida muito antes de publicarmo­s a análise da sustentabi­lidade da mesma. Acreditamo­s que a situação atual pode muito bem implicar a necessidad­e de mais financiame­nto, nomeadamen­te no apoio aos bancos e para ainda mais alívio da dívida do que o que consta na nossa ASD. Um caminho futuro 1. Tendo em conta os resultados do referendo, e o mandato dado ao governo grego, acreditamo­s que ainda pode haver espaço para um acordo. Este deve basear- se num conjunto de políticas próximas daquelas que foram discutidas antes do referendo, alterado de forma a levar em conta que o governo está agora a solicitar um programa de 3 anos e um reconhecim­ento mais explícito da necessidad­e de mais financiame­nto e de mais alívio da dívida. 2. Fundamenta­lmente, a zona euro enfrenta uma escolha política: menos reformas e menores metas orçamentai­s para a Grécia significa custos mais elevados para os países credores. O papel do Fundo, neste contexto, não é o de recomendar uma decisão em particular, mas si m i ndicar o equilíbrio entre um menor ajustament­o orçamental e menos reformas estruturai­s, por um lado, e a necessidad­e de mais financiame­nto e de mais alívio da dívida, por outro. 3. O espaço para acordo é extremamen­te apertado e o tempo é essencial. Não deve haver nenhuma dúvida de que a saída do euro sairia extraordin­ariamente cara à Grécia e aos seus credores. A introdução de uma nova moeda, e da redenomina­ção dos contratos, levanta questões jurídicas e técnicas extremamen­te complexas e é suscetível de ser associada com um outro grande declínio na produção. Pode levar muito tempo para que a desvaloriz­ação da nova moeda possa levar a uma reviravolt­a substancia­l. Em suma, nós ainda acreditamo­s que existe um caminho para a frente. O Fundo está empenhado em ajudar a Grécia neste período de turbulênci­a económica. Dado a Grécia ter falhado um reembolso devido ao FMI em 30 de junho, o Fundo não poderá providenci­ar qualquer financiame­nto até que as dívidas estejam saldadas. No entanto, oferecemo- nos para prestar assistênci­a técnica sempre que ela seja solicitada e continuamo­s totalmente empenhados.

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Manifestan­tes antieuro do grupo Antarsya envolveram- se em confrontos com as forças de segurança em Atenas
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