Grécia: as críticas passadas e o caminho futuro
Todos os olhares estão virados para a Grécia, enquanto as partes envolvidas continuam a lutar por um acordo duradouro, provocando um debate enérgico e algumas críticas afiadas, inclusive do FMI.
Neste contexto, pensei que algumas reflexões sobre as principais críticas poderiam ajudar a esclarecer alguns pontos- chave do conflito, bem como deitar alguma luz sobre um possível caminho a seguir.
As principais críticas, tal como as vejo, são abrangidas pelas quatro categorias seguintes: • O programa de 2010 só serviu para aumentar a dívida e exigiu um ajustamento orçamental excessivo. • O financiamento à Grécia foi utilizado para reembolsar os bancos estrangeiros. • As reformas estruturais que matam o crescimento, juntamente com a austeridade orçamental, levaram a uma depressão económica. • Os credores não aprenderam nada e continuam a repetir os mesmos erros. CRÍTICA 1: O programa de 2010 só serviu para aumentar a dívida e exigiu um ajustamento orçamental excessivo • Mesmo antes do programa de 2010, a dívida da Grécia era de 300 mil milhões de euros ou 130% do PIB. O défice era de 36 mil milhões de euros ou 15,5% do PIB. A dívida estava a crescer a 12% ao ano e isso era claramente insustentável. • Se a Grécia tivesse sido deixada entregue a si mesma, não teria tido simplesmente capacidade para pedir empréstimos. Dadas as necessidades brutas de financiamento de 20- 25% do PIB teria tido de cortar o seu défice orçamental nesse montante. Mesmo se tivesse entrado em incumprimento total da sua dívida, dado um défice primário de mais de 10% do PIB teria de cortar o seu défice orçamental em 10% do PIB de um dia para o outro. Isso teria levado a ajustamentos muito maiores e a um custo social muito mais elevado do que no âmbito dos programas, que permitiram à Grécia ter mais de 5 anos para alcançar um saldo primário. • Mesmo que a dívida existente tivesse sido totalmente eliminada, o défice primário, que era muito grande no início do programa, teria de ser reduzido. A austeridade orçamental não era uma escolha, mas uma necessidade. Simplesmente não havia uma alternativa ao corte da despesa e ao aumento de impostos. A redução do défice foi grande porque o défice inicial era grande. “Menos austeridade orçamental”, ou seja, um ajustamento orçamental mais lento, teria exigido ainda mais rees- truturação da dívida com financiamento e havia um limite político para o que os credores oficiais poderiam pedir aos seus próprios contribuintes. CRÍTICA 2: O financiamento à Grécia foi utilizado para reembolsar os bancos estrangeiros • A reestruturação da dívida foi adiada por dois anos. Havia razões para isso, nomeadamente preocupações sobre o risco de contágio ( o caso Lehman estava fresco na memória), e a falta de firewalls para lidar com o contágio. Se essas razões eram suficientemente boas é uma coisa que pode ser discutida de uma forma ou de outra. Em tempo real, os riscos foram avaliados como sendo demasiado elevados para prosseguir com a reestruturação. • Em parte como resultado desse atraso, uma fração importante dos fundos do primeiro programa foram utilizados para pagar aos credores de curto prazo e para substituir a dívida privada por dívida oficial. O resgate, contudo, não beneficiou apenas os bancos estrangeiros, mas também os depositantes gregos e os agregados familiares, pois um terço da dívida era detido por bancos gregos e outras instituições financeiras do país. • Além disso, os credores privados não ficaram isentos de responsabilidades, e, em 2012, a dívida foi substancialmente reduzida: A operação de 2012 do envolvimento do setor privado ( PSI – private sector involvement) levou a uma redução da dívida de mais de 50% em cerca de 200 mil milhões de euros de dívida de capital privado, levando, deste modo, a uma diminuição da dívida de mais de 100 mil milhões de euros ( para ser concreto, uma redução da dívida de 10 000 euros por cidadão grego). •E a mudança de credores particulares para oficiais trouxe condições muito melhores, ou seja, taxas de juro abaixo dos valores do mercado e prazos longos. Vejamos a coisa deste modo: os pagamentos de juros sobre a dívida grega no ano passado ascenderam a 6 mil milhões de euros ( 3,2% do PIB), em comparação com os 12 mil milhões de euros em 2009. Ou, dito de outra maneira, os pagamentos de juros por parte da Grécia foram menores, como proporção do PIB, do que os pagamentos de juros feitos por Portugal, Irlanda ou Itália. CRÍTICA 3: As reformas estruturais que matam o crescimento, juntamente com a austeridade orçamental, levaram a uma depressão económica • Dado o calamitoso registo de crescimento da produtividade da Grécia antes do programa foi considerada necessária uma série de reformas estruturais, que incluem a reforma da administração fiscal, a redução de barreiras ao acesso a muitas profissões, reformas nas pensões, reformas na contratação coletiva, a reforma do sistema judicial, etc. • Muitas dessas reformas ou não foram implementadas de todo ou não o foram numa escala suficiente. Os esforços para melhorar a cobrança de impostos e a cultura de pagamento dos mesmos falharam completamente. Houve uma resistência feroz à abertura de setores fechados e de profissões. Só foram concluídas 5 das 12 avaliações do FMI planeadas no âmbito do atual programa e apenas uma foi concluída desde meados de 2013, por causa do fracasso na implementação de reformas. • A diminuição da produção foi de facto muito maior do que havia sido previsto. Os multiplicadores eram maiores do que o inicialmente assumido. Mas a consolidação orçamental explica apenas uma fração do declínio da produção. Para começar uma produção acima do potencial, as crises políticas, as políticas inconsistentes, as reformas insuficientes, o medo do grexit, a baixa confiança dos empresários, os bancos fracos, tudo isso contribuiu para o resultado. CRÍTICA 4: Os credores não aprenderam nada e continuam a repetir os mesmos erros • A eleição em 2015 de um governo abertamente contrário ao programa diminuiu ainda mais o domínio deste e foi necessário rever o programa existente, tanto em termos de políticas como em termos de financiamento. • Um conjunto mais limitado de reformas estruturais, e/ ou um ajustamento orçamental mais lento implica, logicamente, maiores necessidades de financiamento, e, por consequência,
uma maior necessidade de alívio da dívida. Para falar de um caso extremo, se os credores europeus estivessem dispostos a esquecer simplesmente toda a dívida existente e ampliar ainda mais o financiamento, haveria pouca necessidade de mais ajustamentos. Mas, obviamente, houve e há limites políticos para o que eles podem pedir aos seus próprios contribuintes. • Assim, uma solução realista teve que envolver algum ajustamento, algum financiamento e algum alívio da dívida – uma abordagem equilibrada. O papel do FMI nas negociações foi o de pedir ajustamentos credíveis específicos nas políticas, e tornar explícitas as implicações financeiras e de alívio da dívida. • Nós acreditámos que um pequeno saldo primário, que fosse aumentando ao longo do tempo, era absolutamente necessário para manter a sustentabilidade da dívida. Tendo examinado de perto o orçamento não conseguimos ver como isso poderia ser alcançado sem uma reforma do IVA para alargar a base tributária e uma reforma das pensões para colocar o sistema numa trajetória sustentável. Nestes pontos, a nossa posição coincidia plenamente com as dos nossos parceiros europeus. • Até ao referendo e as suas potenciais implicações para o crescimento, acreditámos que, a partir destas hipóteses sobre o saldo primário, a sustentabilidade da dívida poderia ser alcançada através do reescalonamento da dívida existente e de maturidades longas para a nova dívida. Isto refletiu- se na análise preliminar da sustentabilidade da dívida ( ASD) que divulgámos antes do referendo. A nossa avaliação foi vista como demasiado pessimista pelos nossos parceiros europeus aos quais tínhamos comunicado os nossos pontos de vista sobre a necessidade de alívio da dívida muito antes de publicarmos a análise da sustentabilidade da mesma. Acreditamos que a situação atual pode muito bem implicar a necessidade de mais financiamento, nomeadamente no apoio aos bancos e para ainda mais alívio da dívida do que o que consta na nossa ASD. Um caminho futuro 1. Tendo em conta os resultados do referendo, e o mandato dado ao governo grego, acreditamos que ainda pode haver espaço para um acordo. Este deve basear- se num conjunto de políticas próximas daquelas que foram discutidas antes do referendo, alterado de forma a levar em conta que o governo está agora a solicitar um programa de 3 anos e um reconhecimento mais explícito da necessidade de mais financiamento e de mais alívio da dívida. 2. Fundamentalmente, a zona euro enfrenta uma escolha política: menos reformas e menores metas orçamentais para a Grécia significa custos mais elevados para os países credores. O papel do Fundo, neste contexto, não é o de recomendar uma decisão em particular, mas si m i ndicar o equilíbrio entre um menor ajustamento orçamental e menos reformas estruturais, por um lado, e a necessidade de mais financiamento e de mais alívio da dívida, por outro. 3. O espaço para acordo é extremamente apertado e o tempo é essencial. Não deve haver nenhuma dúvida de que a saída do euro sairia extraordinariamente cara à Grécia e aos seus credores. A introdução de uma nova moeda, e da redenominação dos contratos, levanta questões jurídicas e técnicas extremamente complexas e é suscetível de ser associada com um outro grande declínio na produção. Pode levar muito tempo para que a desvalorização da nova moeda possa levar a uma reviravolta substancial. Em suma, nós ainda acreditamos que existe um caminho para a frente. O Fundo está empenhado em ajudar a Grécia neste período de turbulência económica. Dado a Grécia ter falhado um reembolso devido ao FMI em 30 de junho, o Fundo não poderá providenciar qualquer financiamento até que as dívidas estejam saldadas. No entanto, oferecemo- nos para prestar assistência técnica sempre que ela seja solicitada e continuamos totalmente empenhados.