Diário de Notícias

Retrato de Srebrenica 20 anos depois da guerra

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Duas décadas depois do fim das bombas, a guerra ainda não saiu das ruas da região de Srebrenica. A aparente normalidad­e do dia- a- dia – uma mãe caminha pelo passeio de mão dada com a filha, amigos bebem café numa esplanada, uma dona- de- casa sai da mercearia com um saco de compras – contrasta com as cicatrizes do lugar. Ainda há buracos de balas nas fachadas e casas destruídas. Ainda se sente uma desconfian­ça entre uns e outros que será difícil de ultrapassa­r.

Alguns muçulmanos regressara­m à terra, mas outros preferiram refazer a vida longe. No momento em que se aguardam os resultados do estudo demográfic­o feito no ano passado, acredita- se que, dos cerca de 15 mil habitantes de Srebrenica, a percentage­m de origem sérvia ronde os 75% e não restem mais do que 25% de muçulmanos. Antes do conflito as percen - tagens eram inversas. Na sequência dos acordos de paz de Dayton, o país ficou dividido em duas entidades – a Federação da Bósnia e Herzegovin­a, controla- da pelos bósnios muçulmanos; e a República Sérvia, controlada pelos bósnios de origem sérvia. Srebrenica é hoje parte integrante da República Sérvia.

Em Potocari, nas antigas instalaçõe­s da base da ONU, está hoje a ser construído um museu e um centro de documentaç­ão. Do outro lado da estrada, encontra- se o memorial e o cemitério das vítimas do genocídio. À entrada, inscrito numa pedra, aparece a contagem de mortos: 8372. Por baixo lê- se que este ainda não é o número final.

Os principais líderes militares e políticos que fizeram a guerra já foram presos e quase todos julgados. Mas os soldados comuns, aqueles que premiam o gatilho, na sua maioria nunca chegaram a Haia e muitos ainda hoje caminham livres pelas ruas. “Vivemos ao lado uns dos outros, mas nunca mais voltaremos a viver uns com os outros”, sublinha Šehida. “Olho- os nos olhos e sinto- me orgulhosa de estar aqui de cabeça levantada. Sou uma prova de que não conseguira­m fazer a limpeza étnica que pretendiam.”

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