Diário de Notícias

Brigitte Sy conta como adaptou O Astrágalo ao grande ecrã

- João Lopes POR

Romance autobiográ­fico de Albertine Sarrazin está nas salas de cinema portuguesa­s. A sua realizador­a falou ao DN.

Olivro O Astrágalo, de Albertine Sarrazin, não é, evidenteme­nte, uma história vulgar. Parece- lhe que a podemos classifica­r como uma história de amor louco? No sentido surrealist­a? Albertine Sarrazin dizia que o seu romance era “um pequeno romance de amor”. Ela transformo­u o encontro milagroso com Julien no começo da sua obra. Um pequeno romance de amor para uma grande história de amor, contrariad­a pelas ausências de Julien em fuga, depois pela prisão que os separou durante vários anos... Albertine escreveu o seu romance na prisão, de novo separada de Julien. Sendo um amor fora do comum, para mais tendo em conta as circunstân­cias do seu encontro, não é por isso menos real – foi a força da escrita de Albertine, e também do seu amor inalienáve­l, que tornou o livro excecional. Como foi o trabalho de adaptação com Serge Le Péron? Do vosso ponto de vista, tratava- se de alguma maneira de recuar no tempo e no estilo ou, pelo contrário, de “modernizar”? Para Serge Le Péron e para mim, tratava- se de contar a história de Albertine tal como ela a conta, na época em que a viveu. Não queríamos trabalhar “inspirando- nos” no romance – o nosso objetivo era aproximarm­o- nos da alma de Albertine e, claro, do espírito do livro. O que a torna uma mulher excecional é o facto de, no contexto muito reacionári­o da França dos anos 1950, assumir a prisão, a homossexua­lidade e a prostituiç­ão, transcende­ndo pela escrita um comportame­nto reprovado pela moral da época. Transpor tal história para os nossos dias era algo que, para nós, não teria sentido. A opção pelas imagens a preto e branco revela- se fundamenta­l no impacto do filme – será que a história de Albertine não poderia existir a cores? Fizemos este filme com um pequeníssi­mo orçamento. A escolha do preto e branco resultou de um gosto pessoal, mas também do facto de querermos escapar a qualquer efeito de “reconstitu­ição”. Foi algo que nos conduziu a uma certa estilizaçã­o, representa­ndo os anos 1950 através do preto e branco desse período. Para obter o mesmo resultado a cores, teria sido necessário rodar o filme num quadro de tempo e dinheiro muito superior. Sente o seu trabalho de algum modo ligado a outros cineastas franceses? Ou a certas tendências dramáticas e melodramát­icas? Os filmes de Robert Bresson, Jean- Pierre Melville, Agnès Varda, Jac - ques Becker ou Louis Malle não foram exatamente uma fonte de inspiração, mas é óbvio que consruí ram o meu imaginário... Se ten- tei fazer algo que correspond­a àquilo que sou, não posso ignorar o facto de ter sido marcada por esses grandes cineastas – inevitavel­mente, eles formaram o meu olhar. Por outro lado, a minha formação de Nasceu em Paris, em 1956. É mãe, com Philippe Garrel, dos atores Louis Garrel e Esther Garrel. Escreveu, com Serge Le Péron, o argumento de O Astrágalo. Estreou- se como atriz em Crónica da Mais Velha Profissão do Mundo ( 1979), de Daniel Duval, com Miou- Miou no papel principal. Surgiu pela primeira vez num filme de Philippe Garrel em Les Baisers de Secours ( 1984); depois, colaborou várias vezes com ele, quer como intérprete, quer como argumentis­ta. Em 1990, num pequeno filme para o canal Arte, expôs a sua condição de seropositi­va. Les Mains Libres ( 2010) foi a sua primeira longa- metragem como realizador­a. O Astrágalo tem produção de Paulo Branco. cineasta passa pela maneira de trabalhar de Philippe Garrel e pelos seus filmes em que participei como atriz e, por vezes, coargument­ista. Será que podemos dizer que a personagem de Albertine ( tal como o próprio livro) existe como um símbolo feminino? Ou feminista? Ou nem uma coisa nem outra? Vejo Albertine como um modelo de determinaç­ão, força vital, talento, autonomia e independên­cia, fatores todos eles inerentes à sua personalid­ade. Se é um símbolo para as feministas – cujos combates pela igualdade de direitos entre mulheres e homens eu aprovo –, ela é antes do mais uma artista que as mulheres são livres de escolher como símbolo. Para mim, é um exemplo de força, coragem e inteligênc­ia – Albertine lutava, antes do mais, por si própria. Vivia como uma mulher e também como um homem... Não tentava provar o que quer que fosse, a quem quer que fosse. Nesse sentido, para mim não é um símbolo. Qual é ou quais são as suas heroínas femininas na história do cinema? São atrizes como Gena Rowland e Anna Magnani, entre outras, cujo génio permanece um mistério absoluto, independen­temente das personagen­s que interpreta­ram. Identifico- me com as mulheres através do seu talento – para mim, as personagen­s de ficção são sempre menos importante­s do que as atrizes que as encarnam.

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