Troia: no inverno tem seis pessoas, no verão chegam 90 mil por mês
Troia é um dos destinos de praia mais famosos de Portugal. No verão não há mãos a medir para lojistas, cafés, restaurantes e hotéis. No inverno, ficam apenas meia dúzia de habitantes entregues à solidão
O café Troia Azul está aberto todo o ano, mais para entreter o seu proprietário António Pereira do que para fazer negócio. “Isto no inverno é um deserto, sou o único residente da urbanização.” A urbanização de que o senhor António fala é Soltroia, para onde veio trabalhar como fiscal logo na sua inauguração na década de 1980. Mas se no inverno passa dias sem ver ninguém, à exceção “dos cães e da caturra”, o verão é bem diferente na península às portas de Lisboa. Só nos barcos chegam por mês mais de 90 mil pessoas, em média, aponta a Sonae Turismo, proprietária da Atlantic Ferries que faz a ligação entre Setúbal e Troia.
É o caso de um casal que vive no Pinhal Novo e quando o tempo começa a aquecer se muda para Troia. Ambos reformados compraram, em 2008, um apartamento em frente à marina. “Tínhamos um terreno na Soltroia mas era muito parado e depois decidimos mudar para junto da marina onde há mais vida.” O casal, que não quis revelar o nome, conta, durante a travessia de barco, que raramente aqui vem no inverno: “As lojas estão fechadas e faz muito frio.”
A verdade é que sendo um destino de sol e mar, a vida da península do concelho de Grândola gira em torno do turismo, o que obriga a ajustar a sua oferta hoteleira ao número de visitantes. No caso da Sonae Turismo as cerca de 2000 camas disponíveis estão nos meses quentes ocupadas quase a 100%, “superando bastante os indicadores de inverno”, aponta a empresa. A quebra na procura determina assim “um ajuste no funcionamento das infraestruturas e serviços disponíveis”, ou seja, fecham “as piscinas exteriores e respetivos restaurantes e bares de apoio, o restaurante/ bar da praia, o beach club, e uma das unidades hoteleiras ( Aqualuz Troialagoa) tem também um funcionamento sazonal”.
O empreendimento – que envolveu um investimento de 450 milhões de euros – à semelhança de tudo em volta, vive entre o meio- gás dos meses mais frios do ano e a loucura dos meses de sol. Fazendo que o “consumo de comidas e bebidas seja oito vezes superior no verão face ao inverno”.
Também no hotel e casino da Amorim Turismo o contraste é evidente. No mês de fevereiro trabalham nas instalações 135 pessoas, que aumentam para 190 no mês de junho, quando começam as contratações sazonais, explica o presidente da Amorim Turismo, Jorge Armindo. Para tentar manter o funcionamento o ano inteiro no empreendimento que custou 100 milhões de euros, a aposta passa por promover eventos, como a passagem de ano que já “funciona bastante bem” ou conferências.
Os trabalhos e horários sazonais Vêm essencialmente de Setúbal ou Alcácer do Sal os trabalhadores que aproveitam os meses de turismo para ter um emprego. À porta da Hipiie Chic, na marina de Troia, Vanessa Espadilha olha o movimento de veraneantes que já começa a sentir- se. Embora antecipe que apenas na segunda quinzena do mês tudo fica mais cheio, já passeiam por aqui algumas dezenas de famílias, casais e grupos de jovens. A empregada de balcão de 26 anos vive em Setúbal e faz o percurso diariamente. Está aqui desde junho e vai ficar “até ao final de setembro, início de outubro, se estiver calor”. O tempo que a loja está aberta.
O mesmo acontece num dos bares da praia, onde Tiago Valadares aproveita para trabalhar de junho a setembro. Ou no minimercado Onda Azul, em Soltroia, que apesar de funcionar todo o ano, contrata mais pessoas para trabalhar nos meses de maior negócio. Fabiana Augusto, desempregada e a viver em Setúbal, acabou por encontrar aqui uma ocupação. Chegou “há duas semanas” e já não é a primeira vez que o verão de Troia lhe dá emprego. “Já trabalhei nos hotéis no verão, nesta altura do ano há sempre um ou outro trabalho por estes lados”, reconhece.
Tudo aqui é medido em função do tempo. “Ou há calor ou não há ninguém”, aponta António Pereira. Aos 68 anos está a contar o tempo para voltar à sua Grândola natal. Enquanto os filhos foram pequenos, António ia e vinha todos os dias, mas “há 15 anos mudei- me para cá. Na altura isto tinha 600 jardineiros e agora apenas existem dois ou três. Isto é supersazonal e as pessoas vão embora”. O antigo fiscal da urbanização partilha os seus dias com Baltazar e a mulher. Ele é guarda do condomínio e ela “faz- me companhia”. “Por enquanto”, atira António, que quando aqui chegou tinha mulher e hoje está divorciado.
Depois de passar “quase nove meses sem falar com ninguém”, António anseia pelo verão que traz os turistas e os proprietários de casas do condomínio. O café, onde trabalha um dos dois filhos e uma funcionária, ainda não reflete muito o movimento de férias. “Antigamente as pessoas vinham três meses, mas agora as férias das crianças são mais pequenas e a crise encurtou as estadias para quinze dias, um mês no máximo.”
Nestas bandas o ano inteiro, quando o calor chega, António não vai à praia: “É quando tenho trabalho e tenho de aproveitar.” Até que “chega o dia 1 de setembro e o aldeamento que estava cheio fica vazio. Uma pessoa acorda e desapareceram todos durante a noite”.
Até os consumos domésticos da água espelham essa diferença acentuada entre o calor e o frio. Se no mês de agosto ultrapassa os 20 mil metros cúbicos, em novembro mal chega aos 2000, segundo a empresa distribuidora, Infratroia.
Da descoberta à segunda casa Os turistas que por estes meses vão preencher os areais de Troia dividem- se em duas categorias. Quem aqui tem casa e quem veio apenas passar uns dias. O casal Edmundo e Lurdes Martins veio com o cão e os netos para ficar os dois meses de férias da escola. Compraram casa na península há 23 anos e assistiram a todas as mudanças. “Foram anos complicados de obras, mas este lugar ainda é um paraíso. A praia é muito bonita e isto também ficou bonito, mas tirou a vista a quem já cá vivia”, indica o casal de reformados, a propósito das obras de revitalização de Troia ( ver texto secundá-