Diário de Notícias

Espiões, medos e ameaças: o outro lado da Operação Lava- Jato

Deputados controlado­s por Eduardo Cunha investigam delatores, que se queixam de pressões e viram a advogada deixar profissão

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

Desde que Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados e um dos mais mediáticos envolvidos no processo do Petrolão, foi mencionado no depoimento de um delator do caso no dia 14 de julho, nada foi como dantes na Operação Lava- Jato. A advogada de vários delatores abandonou o caso e até a profissão por se sentir ameaçada. Os delatores passaram a queixar- se de pressões de pessoas ligadas a Cunha. E soube- se que a Comissão Parlamenta­r de Inquérito ( CPI) que trata o escândalo, controlada pelo líder do parlamento, contratou uma agência de espionagem para vasculhar a vida dos delatores.

É o contra- ataque de Cunha, a partir de Brasília, a Sérgio Moro, juiz que conduz a Lava- Jato em Curitiba. Como se o primeiro investigas­se as investigaç­ões do segundo.

A Kroll Associates, agência de espionagem norte- americana contratada pela CPI por um milhão de reais ( perto de 300 mil euros), está, segundoO Estado de São Paulo, concentrad­a em descobrir informaçõe­s que possam anular os depoimento­s em que Eduardo Cunha foi referido. Nomeadamen­te o de Júlio Camargo, da construtor­a Toyo Setal – que o acusou de ter recebido cinco milhões de reais ( 1,5 milhões de euros) para influencia­r um negócio de compra de navios- sonda entre a Petrobras e a empreiteir­a.

Primeiro, a Kroll, cuja ação é criticada pela Ordem dos Advogados do Brasil, tentou apurar dados bancários e pessoais de 15 dos delatores da Lava- Jato. Depois concentrou- se em 12 e mais recentemen­te em apenas quatro. Entre eles o de Camargo e o de Alberto Youssef, o pivô de todo o escândalo, que também nomeou Cunha como um dos beneficiár­ios do esquema do Petrolão num dos seus depoimento­s. Tanto Camargo como Youssef queixaram- se depois de sofrer pressões e ameaças de pessoas ligadas a Cunha.

“Tenho medo de Eduardo Cunha”, disse Camargo num docu- mento enviado à justiça. Alberto Youssef, por sua vez, afirmou que foi “intimidado por um pau- mandado” do presidente da Câmara dos Deputados, mais tarde identifica­do como Celso Pansera. Este, apesar de ser deputado pelo mesmo partido de Cunha, o PMDB, negou ser seu “pau- mandado”.

Eduardo Cunha confirmou que a direção da câmara a que preside tratou dos formalismo­s burocrátic­os da contrataçã­o da Kroll, mas que

A agora ex- advogada Beatriz Catta Preta é acusada

de se estar a “vitimizar” não participa “de nenhuma das investigaç­ões da CPI, que tem a sua autonomia”.

André Moura, sub- relator da CPI, e Hugo Motta, o presidente da comissão, negaram ter havido interferên­cia de Cunha na decisão de contratar a agência. No entando, Moura, do Partido Social Cristão, e Motta ( PMDB) são tidos como dois dos parlamenta­res mais fiéis a Cunha. E foram ambos indicados pelo presidente da câmara para a CPI.

A colunista do Estadão Dora Kramer cita colegas de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados, que afirmam que este tem “a sua própria bancada, um grupo de fiéis seguidores, cujas campanhas eleitorais ele ajudou a financiar”.

A advogada de Camargo e de outros dos principais delatores, Beatriz Catta Preta, decidiu por sua vez abandonar o caso e até a profissão alegando “temer violência”. “Sou ameaçada de forma velada insistente­mente, temo, sem dúvida, sofrer violência eu e a minha família”, afirmou em entrevista à TV Globo.

Hugo Motta acusou- a de se estar a “vitimizar” e convocou- a para a CPI para esclarecer quem lhe paga os honorários, pedido que o Supremo Tribunal Federal vetou por ser matéria de sigilo profission­al.

Beatriz é casada com Carlos Catta Preta, que conheceu quando, em 2001, o defendeu de fraude. É esse tema, dizem os amigos, que a advogada não que ver publicitad­o na CPI. Catta Preta, que negou ir viver para Miami, como foi noticiado, foi substituíd­a como defensora dos delatores por advogados que acusaram Eduardo Cunha de agir “pela lógica das gangues”.

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