Diário de Notícias

SUDOESTE QUANDO AS MÃES SÃO COMO DEUS

No festival com a faixa etária mais jovem do país, a mãe está omnipresen­te. Seja ao vivo, acompanhad­o os festivalei­ros em início de carreira, seja ao telefone, explicando como se coze um ovo para o jantar ou a saber se está tudo bem. Há as mães- irmãs, a

- Por Catarina Ferreira

TTransvers­al a todo o festival MEO Sudoeste há uma personagem, muitas das vezes omnipresen­te, cujo nome é mencionado, nem sempre em vão: a mãe. A mãe está em todo o lado, não importa qual o género de música que se escuta, há sempre vários cartazes “Mãe estou aqui” ou “Mamá estoy bien”. Alguns têm corações ou sorrisinho­s a enfeitar, outros são meramente informativ­os. Há filas a perder de vista para carregar os telemóveis, para ligar à mãe. Além do boletim informativ­o diário para assegurar à mãe que tudo está bem, há informaçõe­s preciosas, e a mãe sabe sempre tudo. Como tirar lama dos ténis; curar as feridas que fizeram a saltar para o canal instalado no recinto; amenizar escaldões, tempos de cozeduras de ovos para o jantar, ou até mesmo se o orçamento para gastar um pouco mais no festival pode esticar. Claro que também há o paradoxo de, apesar de a mãe saber sempre tudo, há coisas que a mãe não pode saber. A mãe não pode saber que o filho levou um murro num olho e que está no posto mé- dico a chorar, não pela dor mas porque a mãe vai saber. A mãe não pode saber que a filha de 14 anos está a fumar cigarros da amiga nem que o filho está num sítio onde outras mães não vão com os filhos porque “estão a queimar algo que cheira muito mal”. A mãe não pode saber que a filha diz que “o indispensá­vel para um festival são preservati­vos”. Não pode? Talvez possa. E agora, não podemos ligar à mãe. A mãe não pode saber que o amigo Nuno, conhecido desde a escola primária, está a dar uns amassos na filha. Mas talvez a mãe já saiba...

A mãe não pode saber que o filho grita: “Madre mia, si a ti te gusta a mi me encanta” e faz sinais obscenos quando vê as miúdas a cheirar a amaciador enroladas em toalhas a passar.

A mãe tem várias caras. A mãe de Bruno Santos fez vários tupperware­s de rissóis de carne (“os de camarão estragavam- se depressa”) para que ele e os amigos pudessem estar bem alimentado­s durante os dias no festival. O amigo, Fernando Almeirim, adverte: “Liga à tua mãe, que os rissóis estão a acabar!” A culpa é “da gorda da Betty que diz que à noite lhe dá mais fome e vem sempre aqui à tenda bater”, culpabiliz­a o filho da mãe zelosa. Betty espreita e murmura algo, mas não sai da toca, deve ser noctívaga ou então está a comer...

Num café da vila da Zambujeira, onde ao meio- dia os festivalei­ros chegados num autocarro regular, que faz a ligação entre o recinto do MEO Sudoeste e a vila alentejana, um grupo de adolescent­es, faz a sua higiene. Com pacotes de batatas fritas e gelados no bucho aproveitam o consumo para usarem um pequeno lavatório. Logo ali formam uma coluna de pessoas que lavam a cara, os dentes e restante anatomia passível de ser lavada em público. De repente, toca um telemóvel: “Olá mãe, sim, está tudo bem. Já comi.” Para evitar a resposta sobre o cardápio, logo ali corta à tangente: “Quando vamos todos para o Algarve, mãe?”

Há também uma espécie de mães- irmãs ( vão vestidas igual às filhas), flamingos bronzeados, com botas Coachella, flores Woodstock na cabeça e calções de g a nga-bochecha- do- r a bo- de- fora. No quarto de banho, igualmente nauseabund­o em qualquer outro de festival, mas na zona VIP, Constança Belo enfeita as três filhas. A mais velha aplica blush na barriga que o crop top deixa antever e sacode a cabeça várias vezes para dar volume ao cabelo. A mãe encoraja, “faça isso que o seu cabelo é muito liso”. À filha do meio cola tatuagens, prateadas e douradas, a envolver o braço. A mais pequena só quer brilho nos lábios, para estar bem quando os D. A. M. A chegarem. É de noite e ninguém vê ninguém com clareza, mas a mãe finge que sim.

Francisco Bernardino tem 5 anos e está às cavalitas da mãe. Luísa trouxe- o porque ele queria muito ver os D. A. M. A. Vieram de Odemira, só porque no carro gostam muito de cantar a música homónima. “É um dia especial e ele queria muito vir”, e ele ali está excitadíss­imo a cantar, braços no ar. A mãe, apesar de já estar um pouco corcunda, sorri. João está de férias na Zambujeira, tem 10 anos e salta, todo maluco, ao som de Calvin Harris. Grita: “Mãe, salta também!” Ela sorri e faz uns quantos saltos só para o ver feliz. Calvin Harris é aquele da música “ta tana ta” e ele só sabe essa e “é fixe estar a gritar e a saltar”.

Para sexta- feira, a mãe também vai ter de saber como ir a um festival em que troveja e chove, apesar de ser verão e apesar de estarmos no Alentejo. A mãe diz que o melhor remédio contra a chuva é o Carlão, que não virou mãe mas virou pai.

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