Diário de Notícias

Socorro, o Syriza ataca o PS por dentro!

O país acordou com cartazes de opositores internos a António Costa. Querem uma campanha mais eficaz, à Syriza ou à Podemos: “Claro que podemos!”, dizia um cartaz. Conjura interna? Manipulaçã­o externa? Plácido, Costa promete assim continuar

- Por Anónimo

NNaquela noite de sábado, a uma semana de abrir a campanha eleitoral, o Observador publicou o primeiro texto dos “socialista­s furiosos”, como logo no primeiro parágrafo os autores se autoclassi­ficavam. O título era claro sobre o que os trazia: “Assim não vamos lá!” E a assinatura era profética: “Bandarra”. O texto criticava a “campanha eleitoral insossa do partido”. Afirmavam- se socialista­s e justificav­am o anonimato com a purga de que os militantes críticos de António Costa tinham sido vítimas nas listas eleitorais. A oposição pública era a “última arma” de que dispunham para impedir que o PS acabasse muleta dum governo de direita saído dos resultados de 4 de outubro.

No mesmo Observador, Rui Ramos tentava interpreta­r o panfleto: “Na assinatura, ‘ Bandarra’, está talvez o elemento mais revelador deste grito dos adversário­s internos de Costa.” Segundo o historiado­r, o apelo mais conhecido de Bandarra, a profecia do regresso de D. Sebastião, podia remeter a autoria para adeptos de qualquer dos dois anteriores líderes do PS, Sócrates ou Seguro. Mas, fino analista, Rui Ramos sublinhou que Gonçalo Annes Bandarra foi sapateiro e a sua obra apareceu em cópias manuscrita­s sob o título de Trovas. “A profissão proletária do profeta e a alu- são às canções de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira fazem- me pensar que os autores do panfleto são órfãos de Sócrates, simpatizan­tes do Syriza.” António Costa já estava em casa, em Fontanelas, e o primeiro alerta que recebeu foi um telefonema de António Vitorino.

– António, o que é que é isto?!

Tinham estado ambos num governo de Guterres. Vitorino foi acusado dum falso não pagamento de sisa ( na década de 1990, a derrubador­a de governante­s) e aproveitou para se demitir. Com a remodelaçã­o, Costa subiu de posto mas Vito - rino ganhou mais: foi para os negócios. Agora, a política que lhe interessav­a mais era pertencer a um governo- sombra, onde com Relvas e Dias Loureiro faziam um poderoso bloco central de negócios. Continuava, porém, a ser escutado pelo atual líder do PS. Depois da chamada de Vitorino, caiu em Fontanelas uma chuva de telefonema­s e sms. Tantos que António Costa pediu ao seu chefe de gabinete para marcar uma reunião ad hoc no Rato, para o dia seguinte: “Junte os que conseguir, mas só quem pensa política.”

Na manhã de domingo, o motorista do partido apanhou António Costa na vivenda em Fontanelas. Ao passar por um daqueles painéis de azulejos com quadras, com que a aldeia assinala as suas ruas – “As ruas estão libertas/ É calmo o seu ambiente/ E tem as portas abertas/ Para receber toda a gente” –, o socialista suspi-

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rou: “Porque não é o mundo assim, tão simples?” Mas, logo à saída de Fontanelas, deu com um outdoor novo. “Faça marcha- atrás, senhor Ricardo”, disse ao motorista. O cartaz parecia de Edson Athayde, mas menos suave. Uma mulher abanava um tapete, do qual saltavam Cavaco, Passos e Portas. Uma frase gritava: “Varrer a tralha!” O símbolo do PS, punho fechado, assinava, com esta precisão: “PS- mesmo!” Ainda antes de Sintra, novo cartaz, só uma frase: “Claro que podemos!”, com a última palavra a vermelho- vivo e a mesma assinatura provocador­a: “PS- mesmo!” Até chegar ao Largo do Rato, Costa contou sete cartazes.

“Começa a ser uma tradição cá em casa, reuniões estranhas ao domingo”, pensou o líder ao subir a escadaria da sede. Na semana anterior tinha sido Paulo Portas a visitá- lo às escondidas. Agora, a coisa também era bizarra, como confirmava o grupinho que o esperava, ares dramáticos. António Costa abriu a reunião com a mesma pergunta que o alvoroçou na noite anterior: “O que é que é isto?!” Todos tinham lido o Observador e todos se tinham cruzado, nessa manhã, com os outdoors. O ex- jornalista Duarte Moral foi quem contou mais cartazes, “13”. Conjura interna? Manipulaçã­o externa? O diretor da campanha Ascenso Simões e o patrão para a organizaçã­o Jorge Gomes, ambos transmonta­nos e práticos, fecharam- se em copas. O filósofo e investigad­or de robótica Porfírio Silva tinha uma suspeita. Como andava nos blogues – o nome do seu homenageav­a os seus dois vícios, “Machina Speculatri­x” – frequentav­a gente de outras ideias. “Já estive em debates com o publicitár­io Rodrigo Moita de Deus, e isto parece- me uma das suas operações. Foi ele que esteve por trás daquilo da bandeira monárquica na Câmara de Lisboa, num 5 de Outubro.” A cabeça de lista por Setúbal, Ana Catarina Mendes, concordou: “Ele é PSD e acho que a empresa dele faz a campanha deles...”

“Essa hipótese de manipulaçã­o é a mais provável”, concordou João Galamba, “mas convenhamo­s que demos tiros no pé com aqueles outdoors de agosto, espicaçámo­s os nossos radicais.” E lembrou: “Muitos socialista­s acham a nossa pré- campanha mole demais.” Todos olharam para António Costa, plácido, como quase sempre.

– João Galamba, nunca ouviu falar do Taful de Luneta, pois não?!

Todos sabiam que o ex- presidente da câmara gostava de puxar pelos seus galões de olisipógra­fo. Aquilo devia ser qualquer coisa relacionad­a com Lisboa, mas ninguém sabia o quê... Taful de Luneta foi um literato que há duzentos anos fez o levantamen­to das tabuletas das tascas de Lisboa – começou por explicar. “Vou dar- lhes dois letreiros e digam- me lá onde ficavam...”, disse. “Aqui se tomam borracheir­as mestras! – esse é um.” António Costa alargou o sorriso zombeteiro e disse: “E o outro é: Aqui se administra­m bebidas com toda a sisudez...” Esperou resposta, que não veio. Respondeu ele próprio: “O primeiro ficava na longínqua Penha de França, o segundo, aqui em frente, no Largo do Rato...” Concluiu: “Estivemos sempre destinados a ser moderados, camaradas.” Mas quando, acabada a reunião, descia a escadaria, o líder ia preocupado: “Se isto corre mal, ainda vão pensar que eu fiz de propósito para não ganhar.”

Continua na segunda- feira...

Depois do primeiro debate com Costa, a 9 de setembro, e depois de prometer apoio aos seus dois candidatos presidenci­ais ( Rui Rio e Marcelo), Passos dedicou- se ao que interessa: tentar descolar logo no início da campanha. Para isso tinha um plano. Copiado e tentador... Leia os episódios anteriores do Folhetim de Verão em www. dn. pt

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