Diário de Notícias

“A MINHA DROGA MAIS POTENTE É O VINHO DO PORTO”

- JOÃOCÉUE SILVA ( Texto s ) ORL A NDO A L MEI DA ( Fotografia s )

Nos tempos em que a clonagem era um tema quente, anos 2000, afirmou que não queria ser clonado. Já mudou de ideias entretanto? Não. Não mudei de ideias... [ pausa] Vamos lá ver [ outra pausa]... Não é o desejo de não querer ser clonado porque se o for sem saber não me preocupo. Imagine- se que ficam com células minhas que possam dar origem a um novo ser, isso não me deixaria melindrado. Mas consciente­mente não? Não tenho interesse nenhum em vir a ser clonado porque a ideia que está por trás do clonado é a de uma vida eterna – clona- se um, depois clona- se outro. O problema é que ninguém sabe se isso é verdade porque há muitas dúvidas ainda sobre o clone. Portanto, não tenho minimament­e esse desejo. Até nem tenho vontade de viver mais do que 80 ou 90 anos. Não me interessa. Confesso que pensei na pergunta quando desconheci­a que se ia clonar uma personagem política... Ah! [ risos] O Quintanilh­a que vai para a política também não é um clone? Não, sou eu. E para mim é uma situação nova. Tive uma pequenina experiênci­a enquanto vereador na Câmara do Porto, que não foi uma experiênci­a entusiasma­nte. Renunciou rapidament­e, não foi? Logo a seguir porque vi que não estava a fazer grande coisa na câmara. Havia uma maioria absoluta que tomava as decisões todas e nós podíamos pronunciar- nos mas sem impacto no processo. Nem tinha nada para desenvolve­r que fosse da minha responsabi­lidade, o que até achei estranho pois podiam ter- me pedido que ficasse à frente de uma área do conhecimen­to. Não pediram... Acho que os jogos políticos são assim – e saí. E desta vez aceitou por que razão? Acho que fui convencido com muitas coisas que se juntaram. Acabei de dar a minha última aula de jubi- lação e sentia- me muito livre para poder fazer tudo aquilo que gostaria. Só que no dia a seguir o António Costa veio ao Porto, falou comigo e disse- me que tinha percebido que eu estava com uma enorme disponibil­idade, desafiando- me para encabeçar a lista do partido no Porto. Reagi da forma normal: “Não tenho experiênci­a política nem sei se era isso de que estava à espera para fazer. Portanto, vou ter de pensar.” Foi realmente inesperado, porque até referiu que poderia ir fazer um curso de Arquitetur­a... Era uma possibilid­ade, mais do que um curso era assistir a algumas aulas e aprender qualquer coisa. Mas António Costa convenceu- o? Convenceu- me por uma coisa muito simples. Ele disse que o povo tem uma confiança cada vez menor nos políticos e uma pessoa que não tem o rótulo político, com trabalho feito e que demonstrou estar preocupada com questões sociais e humanas, podia ser uma forma de rejuvenesc­er. Achei a explicação muito inteligent­e e concordo. Não é uma missão complexa? É muito complexa e até acho que o ano a seguir às eleições vai ser muito complicado. Começa por ficar sem férias... Em parte. Só vou começar a fazer alguma coisa a sério em setembro. Neste mês não sei se vai acontecer muita coisa, depois já percebi que vai ser muito envolvente. Tem criticado muito a situação! Tenho sido bastante vocal nos últimos tempos em relação ao meu descontent­amento com a falta de liderança que existe na área do conhecimen­to. Fui dos primeiros a contestar muitas das decisões e a alertar para os perigos à nossa frente, daí que numa altura em que me é dada uma oportunida­de de poder fazer a mesma coisa num sítio onde o impacto pode ser maior passa a ser uma obrigação. Não se pode andar apenas a criticar. Irá para um hemiciclo que o povo considera muito fraco. Concorda? Temos de começar em algum sítio, e talvez a introdução de algumas pessoas possa ajudar. Também ninguém sabe se haverá maioria absoluta ou como é que as forças políticas se vão entender. Sou uma pessoa que acha que não é só em Portugal que há problemas sérios de confiança em relação à política e aos desenvolvi­mentos políticos que estão a acontecer. As pessoas estão a desinteres­sar- se cada vez mais, por isso é necessário mudar. E considera- se um dos que podem ajudar a alterar a descrença? Não sei se vou ser capaz, porque sou virgem nesta área. A política é uma coisa complexa e tem uma história que não conheço. Também sei que nas universida­des existe muita política interna e muita gen- te a pregar rasteiras ou a dizer aquilo que não pensa. No entanto, a tragédia portuguesa não está próxima da grega? Não. Um continente que se descreve como herdeiro de conceções cristãs e está a humilhar a Grécia desta forma escandalos­a é coisa que não consigo perceber. Eles fizeram muitos erros, podem não ser de confiança... É estranho que as nações humilhadas sejam aquelas que humilham ainda mais as outras em vez de aprenderem com o desastre. Parece mais um revanchism­o. É o que se passa com a Alemanha? Tenho a sensação de que a Alemanha, que passou por momentos muito difíceis como o da reunificaç­ão, deveria ter mais sensibilid­ade para o que é humilhar e espezinhar. Falando de humilhação. A sua opinião é a de que os portuguese­s também o foram nos últimos quatro anos de forma muito violenta? Foram. Foram. Mesmo assim não teme a reeleição desta coligação? Não sei. Tenho muito pouco jeito para profeta. Ponderou a hipótese da coligação? Não pensei muito nisso. Aquilo sobre o que tenho pensado muito é que há momentos na nossa vida em que somos sujeitos a uma enorme austeridad­e. Quando fui para os Estados Unidos não tinha salário nos primeiros seis meses, vivia dos três mil dólares que levara. E passei por momentos muito complicado­s. Por isso, a austeridad­e pode incomodar menos a maior parte das pessoas se for para todos e não como o que está a acontecer no mundo, e mais recentemen­te em Portugal, em que 0,1% da população está a ficar cada vez mais rica enquanto 99,9% das pessoas estão sob austeridad­e. Há pouco disse era um virgem nestas coisas da política... Sou um pouco. Vai tentar perder a virgindade política antes das eleições? Há uma área em que ainda sou virgem, a das drogas. Nunca fumei na da nem tomei nada. A minha droga mais potente é o vinho do Porto. Quanto à política, eu vou aperceber- me do que me espera e as pessoas também não me veem a obedecer às ordens do Partido Socialista – como já se escreveu, aliás. Até onde conseguirá ir? Existem determinad­as questões em relação às quais tenho princípios éticos que não me permitem ultrapassa­r a barreira. Sinto que vai haver da parte de todos uma necessidad­e de discutir os assuntos até ao ponto em relação ao qual eu não conseguire­i abdicar. E não abdicarei, é muito simples. Os partidos não gostam disso. Se o partido achar que isso não é aceitável, vou- me embora. Sei que há muitas áreas na política, como em todas as coisas, em que tem de haver compromiss­os. Não sou aquele que tem a verdade toda na cabeça. Tenho imenso medo das pessoas que acham que sabem tu - do, aliás tenho muito mais dúvidas do que certezas. Portanto, mesmo na política, vai ser a mesma coisa. Vou ter de balançar as variáveis e as incógnitas porque isto é o que faz um cientista. Politicame­nte não irá viver acima das suas possibilid­ades! Creio que não. Acho que não só não sei viver acima das possibilid­ades como pretendo adotar uma atitude inicial de precaução. Vou tentar perceber o que é que se está a passar e aprender muito. Então, sempre vai fazer um curso de Arquitetur­a, só que de arquitetur­a política? Sim, é isso mesmo. Sexualment­e tem um posicionam­ento muito conhecido. Acha que os eleitores do Porto vão aceitar isso no seu cabeça de lista? Como já disse, tenho muita dificuldad­e em ser profeta. Creio que pela forma como vivi estes vinte e tal anos em que estou no Porto transmiti uma noção do que sou. Acho que deixei as pessoas conhecerem quem sou. Não há nada que esteja escondido, não tenho esqueletos no armário, e digo sempre aquilo que penso. E há uma outra coisa muito importante: não devo nada a ninguém nem quero trepar pelo sistema político. São duas condições que devem apaziguar os que estão à minha volta. Não é isto que vai finalmente dar ao Alexandre Quintanilh­a aquilo que ele queria. Não andei à procura disto, aceitei porque é um dever cívico. Logo após as eleições legislativ­as vêm as presidenci­ais. Já formou opinião sobre o candidato? Não, não formei. Não tem um candidato, nem o professor Sampaio da Nóvoa? Eu ouvi um discurso do Sampaio da Nóvoa no Porto e gostei do que ouvi. Mas não tenho opinião formada, até porque não sei quem são os outros candidatos. Percebeu o discurso dele? O Sampaio da Nóvoa é uma pessoa da universida­de e percebo melhor a sua linguagem. Ou seja, também

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