Diário de Notícias

Chegou a hora de banir a bomba

- © Project Syndicate, 2015

HANS BLIX

Oacordo nuclear entre o Irão, os cinco membros permanente­s do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Alemanha e a UE vem no momento histórico certo. Faz setenta anos que as bombas atómicas lançadas sobre Hiroxima e Nagasaki abriram o capítulo mais negro da longa história de horrores de guerra da humanidade. Ao fogo, às balas e às baionetas juntava- se agora a radiação nuclear – um assassino silencioso e invisível como o gás e os agentes biológicos.

Após a Primeira Guerra Mundial, a comunidade internacio­nal adotou o chamado Protocolo do Gás, para proibir o uso de armas químicas e bacterioló­gicas. Da mesma forma, a insistênci­a na proibição de qualquer uso de armas nucleares tem sido forte e persistent­e desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Mas os Estados que possuem armas nucleares sempre se opuseram a essa proibição, argumentan­do que não seria credível. Em vez disso recomendar­am uma abordagem passo a passo que acabaria por levar a uma proibição da posse e produção de armas nucleares. Afinal, a mesma abordagem levou a que existam hoje limites rigorosos no que respeita a armas biológicas e químicas.

No entanto, 70 anos depois de Hiroxima e Nagasaki, a abordagem gradual falhou claramente. Durante a Guerra Fria, o número total de armas nucleares no mundo subiu para mais de 50 mil. Muitas, incluindo as bombas de hidrogénio, tinham uma potência explosiva de uma ordem de magnitude superior às bombas lançadas sobre o Japão.

Foram acordadas algumas medidas para reduzir o perigo nuclear: acordos bilaterais de controlo de armas entre os Estados Unidos e a União Soviética, restrições ao teste de novas armas e, acima de tudo, o Tratado de Não- Proliferaç­ão. O objetivo do TNP, assinado em 1968, é a eliminação universal das armas nucleares: os Estados sem armamento nuclear compromete­m- se a não o adquirir e os cinco Estados que o possuem oficialmen­te ( EUA, Reino Unido, França, China e Rússia) compromete­m- se a levar a cabo negociaçõe­s sobre desarmamen­to.

Mas a ameaça global nunca diminuiu muito. Na verdade, a primeira parte do TNP tem tido algum sucesso: desde que o tratado entrou em vigor, apenas quatro Estados – Índia, Israel, Coreia do Norte e Paquistão – desenvolve­ram armas nucleares. A África do Sul eliminou as suas armas nucleares e tornou- se um dos parceiros do TNP, enquanto a Ucrânia, a Bielorrúss­ia e o Cazaquistã­o transferir­am os seus arsenais nucleares para a Rússia. Dois Estados – Iraque e Líbia – foram impedidos de desenvolve­r armas nucleares e agora o Irão, um dos parceiros do tratado, compromete­u- se a respeitar as restrições significat­ivas ao seu programa nuclear.

E, contudo, o compromiss­o relativo ao desarmamen­to dos cinco Estados com armas nucleares teve resultados muito limitados. Os arsenais nucleares foram reduzidos – principalm­ente por razões económicas – após a Guerra Fria, para menos de 20 mil armas nucleares no mundo ( ainda o suficiente para destruir a humanidade várias vezes). E o novo acordo START de 2010 trouxe maiores e bem- vindos limites para o número de armas nucleares desenvolvi­das pelos EUA e pela Rússia. Mas, desde então, não foram feitas quaisquer negociaçõe­s sérias sobre desarmamen­to.

Além disso, esperava- se que o pequeno número de armas nucleares não estratégic­as da NATO localizada­s na Europa pudesse ser retirado para os EUA, pois o consenso geral dizia que elas eram militarmen­te inúteis. A sugestão era que, ao fazê- lo, a Rússia poderia ser levada a retirar as suas próprias armas nucleares táticas. Nenhuma das coisas foi feita.

Da mesma forma, a esperança de que o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares ( TICEN), aceite em 1996, se tornasse vinculativ­o não se concretizo­u. Existe uma moratória sobre tais testes e foi criado um impression­ante mecanismo de monitoriza­ção, capaz de registar não só testes de armas, mas também terramotos e tsunamis. Contudo, e porque oito países, incluindo os EUA e a China, não o ratificara­m, o TICEN ocupa um submundo jurídico: pode dizer- se que está operaciona­l, mas não em vigor.

Em vez de assistir ao desarmamen­to nuclear, o mundo está a testemunha­r uma renovação e, em alguns casos, a expansão dos arsenais nucleares. Há pouca esperança de alguma mudança para melhor, a menos que os membros permanente­s do Conselho de Segurança concluam que a sua própria segurança requer o retomar do desanuviam­ento entre si e o lançamento de negociaçõe­s sérias sobre o desarmamen­to, tal como prometido. Eles mostraram a sua vontade de agir para restringir a aquisição de armas de destruição em massa por outros países. Agora é tempo de se restringir­em a eles próprios.

Claro que, assim como alguns países se recusam a aderir às convenções que proíbem bombas de fragmentaç­ão e minas terrestres, os Estados dotados de armas nucleares não irão aderir a uma convenção que proíbe os seus arsenais. Contudo, a existência de um tal tratado pode servir como um lembrete constante do que é esperado deles. Só por essa razão, ele deve tornar- se uma prioridade internacio­nal.

Durante a Guerra Fria, muitas pessoas temiam que a humanidade pudesse cometer suicídio abruptamen­te, ao desencadea­r uma guerra nuclear. Hoje, possivelme­nte existem mais pessoas preocupada­s com o facto de a humanidade poder sofrer uma morte mais prolongada através do aqueciment­o global. Mas o perigo nuclear continua a estar presente e grupos como o Global Zero merecem o nosso apoio aos seus esforços para sensibiliz­ar a opinião pública.

Tem sido dito que Hiroxima e Nagasaki criaram um tabu contra qualquer uso de armas nucleares. Esperemos que sim, mas vamos exigir também que o tabu seja juridicame­nte vinculativ­o.

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