Sinédoques mal empregadas
OVIRIATO SOROMENHO- MARQUES grande Camões fez uma sinédoque quando escreveu: “Os lenhos com que o Gama navegava.” E toda a gente percebe que o lenho significa nau, navio. Pelo contrário, nenhum cartaz com um rosto concreto pode simbolizar o sofrimento de centenas de milhares de desempregados e emigrantes, se tudo não passar de uma ficção. O desemprego é, de facto, uma espécie de siné - doque dos problemas existen - ciais de Portugal. Como poderemos querer diminuir o desemprego se vivemos numa união monetária que está apenas concentrada na estabilidade dos preços? Mais, numa união que não cria limites ao desemprego, embora seja estrita na taxa de inflação? O PS deveria, pois, confrontar o PSD com as suas ideias sobre o tema. Parece, contudo, que há um génio maligno à solta dentro da comunicação eleitoral do PS. Primeiro apareceu um cartaz com tonalidades religiosas a despropósito, que não pas - sou, apesar do mau gosto, de um tiro de raspão no pé, Agora, contudo, a bala está apontada diretamente à cabeça: cartazes, com rostos de pessoas concretas, com alegadas estórias de vida ( desemprego e emigração), que afinal se revelam serem falsas, causando até indigna - ção nos cidadãos cuja ima - gem foi obtida sem explicação do uso pretendido nem auto - rização para o mesmo. Não poderia haver maior bálsamo para um governo que trata com leviandade o impacto do desemprego e da emigração, do que uma campanha do maior partido da oposição que usa a figura retórica da sinédoque para tratar de questões que mexem com a vulnerabilidade de pessoas de carne e osso. Ou será que há alguém no PS interessado em dar valor de verdade à ficção, essa autêntica, publicada diariamente na última página do DN: “As eleições que ninguém quer ganhar”?
Os grandes partidos não costumam ser “apanha - dos” pelos figurantes ou pelo amadorismo das empresas de político que para eles traba - lham. Como em qual quer outra democracia o uso de figurantes, atores, estrelas de futebol, ou outros ingredien - tes humanos, no geral pagos, é uma banalidade, sejam reformados ou jovens, de sem - pregados ou dinâmicos empregados. Como é que estes são “apanhados” numa junta de freguesia sem assi - narem os habituais contratos e saberem ao que vão é um pouco estranho. Por outro lado, os erros de “mensagem” são também curiosos, ainda que não sejam inéditos. Será falta de dinheiro? É que as finanças partidárias também sofrem com a crise, sobretudo quando estão na oposição. Os que acham que as cam - panhas eleitorais não deviam ser o que também são pensam que isto não tem importância nenhuma, mas tem alguma, na medida em que os e os restantes partidos as ativam politicamente. Se a data da entrada no desem - prego da “figurante afinal empregada” não relembrasse Sócrates, o maior trunfo pessoalizado da coligação PSD- PP, ninguém pensava mais no assunto. Por outro lado, tal como no teatro, convém que o figurante não venha para a plateia dizer que foi apanhada inadvertida - mente na rua. Lá se vai a mensagem de 500 ou 1000
mas se não for uma sequência de notoriedade negativa a mossa é pequena. A velocidade da contaminação paraeleitoral de acontecimen - tos vai ser tão grande que na semana que vem já ninguém se vai lembrar desta. Desde ontem que o secretário- geral do PS se encontra com a cara nos novos em aparente consonância com um indicador de popu laridade bastante superior ao de Passos Coelho. Vamos ver qual será o tema que se segue.