Independência ou crise reabre velho debate em Porto Rico
No dia 3, ilha falhou pagamento de 58 milhões de dólares e entrou em incumprimento. Solução pode passar pela separação total dos EUA ou pela incorporação como 51. º estado
Porto Rico na União Europeia e a Grécia como estado associado dos EUA? A ideia parece estranha, mas foi o próprio ministro das Finanças alemão que disse aos jornalistas tê- la sugerido ao homólogo americano. “Sugeri ao meu amigo Jack Lew que podíamos ficar com Porto Rico na zona euro se os EUA quisessem ficar com a Grécia na sua união.” Dois dias depois, os credores chegavam a acordo com Atenas para um terceiro resgate e ninguém pensou mais na piada de Wolfgang Schäuble. Mas enquanto os gregos negociavam nova ajuda financeira, no dia 3 Porto Rico falhava um pagamento de 58 milhões e entrava em incumprimento. Uma situação que reabriu o debate sobre o estatuto da ilha, com uns a defenderem a independência, outros a incorporação como 51. º estado dos EUA.
Durante décadas, a ilha beneficiou de leis federais americanas que garantiam incentivos fiscais para as empresas que lá se instalassem. Mas em 1996, o Congresso decidiu acabar de forma gradual com os incentivos. E quando terminaram de vez, em 2006, Porto Rico entrou numa recessão agravada depois pela crise financeira mundial. A ilha tem agora uma dívida de 72 mil milhões de dólares: em parte detida pelo governo, em parte pelas empresas públicas porto- riquenhas. O desemprego anda nos 14% – mais do dobro dos EUA “continentais” – e são cada vez mais os habitantes que trocaram a ilha pelo continente, aproveitando o facto de ( desde 1917) terem nacionalidade norte- americana.
Colónia espanhola até à invasão americana de 1898 ( ano em que Espanha cedeu também aos EUA as Filipinas e Guam. E Cuba foi ocupada), nos últimos anos Porto Rico foi vítima dos investidores, sobretudo americanos, que, aproveitando que a ilha e suas entidades públicas estão proibidas por lei de entrar em default, continuaram a comprar obrigações sem se preocuparem com a situação financeira do território. Sem poder declarar falência, não restou ao governo de Alejandro García Padilla outra opção a não ser impor mais austeridade e cortar na despesa, o que levou mais pessoas a sair da ilha e a crise a agravar- se.
“Há setores da opinião pública porto- riquenha, norte- americana e internacional que estão muito atentos ao papel que os EUA terão no
O governo porto- riquenho conta com o turismo para ajudar a recuperar a economia da ilha desfecho do default de Porto Rico e que serão muito críticos se esse papel se limitar a uma política de distanciamento e desresponsabilização total”, explicou ao DN João Veloso, professor auxiliar de Línguas e Literaturas na Universidade do Porto, que viveu vários meses em Porto Rico em 2011, tendo dado aulas na universidade da ilha. Quanto à comparação de Schäuble entre Porto Rico e a Grécia, o académico acre- dita que “as diferenças são maiores do que as semelhanças e o prognóstico para Porto Rico acaba por ser mais favorável do que para a Grécia”.
Para já, o ciclo vicioso instalou- se na ilha. Padilla já avisara que a dívida é insustentável e apelou a negociações com os credores. Mas encontrar uma solução não será fácil, quer passe por mudar a Constituição porto- riquenha, para permitir ao governo local declarar falência, quer seja colocar as contas sob supervisão de uma comissão do Congresso americano.
Para já, a crise reabriu o debate sobre o estatuto da ilha descoberta por Cristóvão Colombo em 1493. Independência ou estadidad ( tornar- se no 51. º estado dos EUA) voltaram a estar em cima da mesa. “Em Porto Rico há uma retórica independentista muito grande. Quase todos os porto- riquenhos que conheci, negando que a ilha fosse uma colónia, cultivam uma espécie de desprezo verbal pelos Estados Unidos e pelas suas instituições e defendem, no plano das palavras, a independência do país”, afirma o professor João Veloso.
Mas a verdade é que nos referendos sobre o estatuto da ilha realiza- dos em 1967, 1993, 1998 e 2012, a separação dos EUA nunca obteve mais de 5,5%, uma falta de apoio que não se pode atribuir apenas à formulação, extensa e complexa das três opções: incorporação como 51. º estado, independência ou manutenção do estatuto de “estado livre associado”. Este último acabou por vencer, mas alguns aspetos continuam polémicos, como o facto de os porto- riquenhos votarem nas primárias dos partidos para nomear um candidato à Casa Branca, mas não nas presidenciais.
A integração nos EUA viria resolver a questão, além de garantir que a ilha passaria a ter maior proteção legal e financeira de Washington, ajudando a resolver a crise. Para João Veloso, independência ou estadidad, “qualquer uma me parece melhor, mais digna, mais explícita e mais coerente do que o atual status [...], uma figura de retórica criada ad hoc para disfarçar uma dependência no que é essencial para a autonomia e o pleno reconhecimento de um povo e de uma nação, um limbo que adia decisões, afirmações e crescimentos e que acaba por perpetuar em Porto Rico os ‘ complexos’ dos povos colonizados”.