O palestiniano Sadah protegeu uma polícia israelita. Agora é um traidor
O fotógrafo israelita Shaul Golan captou o que descreve como um “momento especial”. Imagem tornou- se viral na internet
Acusado de traição pelos palestinianos e ameaçado pelos colonos israelitas, Zakarias Sadah garante: “Para mim uma pessoa é uma pessoa. E a vida de uma pessoa é importante.” Tão importante que este palestiniano, coordenador no terreno da ONG israelita Rabbis pelos Direitos Humanos, não hesitou em colocar- se à frente de uma agente da polícia de Israel apanhada há dias num protesto violento entre agricultores palestinianos e colonos judeus na Cisjordânia. O momento foi captado pelo fotógrafo Shaul Golan, do jornal Yediot Aharonot e já se tornou viral na internet. Talvez por, como disse Sadah, ser um símbolo de “paz e esperança num futuro melhor”.
“Há quem escreva contra mim nos media palestinianos porque protegemos uma polícia, como se fôssemos traidores. Por outro lado, vejo que os colonos também me estão a atacar. Sinto que estou sob fogo dos dois lados”, confessou Sadah Sadah ao The Blaze. O trabalhador humanitário palestiniano contou ao site de notícias americano como naquele dia 1 de agosto a tensão subiu quando um grupo de colonos israelitas tentou impedir agricultores palestinianos de cultivarem a terra, em Aish Kodesh, um colonato não reconhecido pelo Estado hebraico perto da cidade de Qusra na Cisjordânia. A tensão subiu e o exército israelita depressa chegou ao local onde havia também polícias. Um dos agentes terá sacado de um taser que apontou ao grupo de palestinianos, ameaçando- os com choques elétricos.
Os palestinianos começaram a lançar pedras contra o agente, deixando o agente e a sua colega encurralados entre os dois grupos que trocaram pedradas enquanto os militares lançavam gás lacrimogéneo. A mulher acabou por ficar isolada junto aos agricultores palestinianos. Paralisada pelo medo, começou a chorar. E, quando um outro agente apontou a arma aos palestinianos, Sadah gritou “não dispare!? Eu protejo- a”. Colocou- se então de um lado da polícia, e outro palestiniano – que os media internacionais identificam como o presidente da Câmara de Qusra, mas sem avançar o seu nome – ficava do outro lado.
Foi esse o momento que Shaul Golan captou com a sua máquina. “No meio de todo aquele caos, vi esta mulher polícia”, contou o fotógrafo ao Times of Israel. E recordou: “Ela estava mesmo assustada. Estava abandonada no meio daquele campo e aqueles que costumam ser os seus inimigos estavam a protegê- la. Percebi logo que era um momento especial.”
Mas naquele momento Sadah garante que não pensou no longo conflito entre israelitas e palestinianos. Também ao Times of Israel, o coordenador de uma ONG israelita – cuja missão é proteger as terras de cultivo, sobretudo as oliveiras, palestinianas na Cisjordânia dos ataques dos colonos israelitas – explicou: “Quando a vi, não vi um uniforme ou um símbolo da ocupação. Vi uma pessoa a chorar. E tive de ficar ao seu lado.”
Apesar da condenação internacional e de este ser um dos pontos que travam um acordo de paz com os palestinianos, o governo de Israel continua a apoiar a construção de mais colonatos na Cisjordânia. Mas existem alguns – como seria o caso daquele em que residiam os colo- nos que atacaram os agricultores em Aish Kodesh – que o próprio Estado hebraico não reconhece e cujo desmantelamento defende. Morre pai de bebé palestiniano O ato de coragem e humanidade de Sadah e do autarca de Qusra contrasta com a tensão dos últimos dias entre palestinianos e colonos. Isto depois de, também no dia 1, o que se suspeita ser um grupo de extremistas judaicos ter incendiado uma casa na aldeia de Duma, matando logo um bebé de 18 meses e provocando ferimentos nos restantes membros da família. Ontem, o pai do bebé, Saad Dawabsheh, morreu devido aos ferimentos, enquanto a mulher e outro filho continuam no hospital.
O ataque f oi i mediatamente condenado pelas autoridades israelitas, com o primeiro- ministro Benjamin Netanyahu a descrevê- lo como um ato terrorista. Com esta atitude, o chefe do governo, que sempre defendeu os colonatos e rejeitou a ideia de um Estado palestiniano enquanto ele estiver no cargo, arrisca- se a ficar na mira dos extremistas judaicos, sem por isso deixar de ser criticado pelos palestinianos.
Desde o ataque, as autoridades israelita estão sob pressão para controlarem os grupos de extrema- direita judaica. E o governo decidiu permitir nestes casos o recurso a métodos de interrogatório mais duros, até agora reservados a palestinianos suspeitos de terrorismo. A partir de agora, quem for suspeito de violência política contra palestinianos poderá ser detido sem necessidade de julgamento – mais uma vez uma medida que Israel apenas aplicava aos suspeitos de terrorismo.
Ontem o coordenador especial das Nações Unidas para o processo de paz no Médio Oriente, Nikolay Mladenov, deixou um apelo para que os responsáveis pelo ataque sejam levados à justiça.