O que andamos a ler enquanto molhamos os pés
Livros de verão? Em muitos casos, a expressão é deslocada. Mas há tendências, uma anti stress, colorida, e outra a puxar pelas emoções dos thrillers. E, por cá, há um caso singular: Pedro Chagas Freitas
Portugal fica de fora, por um desfasamento editorial remendado nos próximos meses, do alcance intercontinental – Londres, Paris, Nova Iorque – de dois dos maiores êxitos editoriais que o verão testemunha e, até certo ponto, apadrinha: a versão masculina das peripécias erót i cas mais f aladas nos últimos anos, com a autora E. L. James a esticar a corda em Grey ( As Cinquenta Sombras de Grey narradas por Christian), sucesso comum aos três polos referidos, e o regresso de Scout e Atticus Finch pela mão de Harper Lee em Go Set a Watchman, comandante segura das listas de mais vendidos em paragens anglófonas. Tal como cá, a versão francesa está agendada para o outono. Tanto nas Ilhas Britânicas como nos Estados Unidos, a veterana parceira de Truman Capote alcança uma improvável dobradinha: aproveitando o empurrão de uma sequela escrita antes ( é mesmo assim, por estranho que pareça) e o 50. º aniversário da publicação original, Mataram a Cotovia regressa às listas de mais vendidos. O que não pode deixar de saudar- se; haja algo de mais duradouro do que as fugazes levezas estivais.
Olhando para as referências dos diferentes países, parece inegável que as maiores surpresas – porventura justificadas com reedições, campanhas especiais ou saldos – chegam de França, por exemplo quando damos de caras com um escrito do filósofo setecentista David Hume ( Dissertation sur les Passions), com a mais imortal das criações de Saint- Exupéry ( O Principezinho) e com uma das obras que deram o tiro de partida para o chamado New Journalism: Hiroshima, Lundi 6 Août 1945, 8h15 ( publicado originalmente, e também em Portugal, com o título Hiroshima) acompanha a efeméride vivida nesta semana, os 70 anos sobre o lançamento efetivo da primeira bomba atómica. O autor, John Hersey ( 1914- 1993), que já tinha venci- do o prémio Pulitzer, teve – com a reportagem agora recordada – direito a uma edição inteira da revista The New Yorker, em agosto de 1946. Tudo o resto, nesta lista sediada em Paris, surge como mais previsível, com três pesos- pesados locais ( Anna Gavalda com Des Vies en Mieux, Guillaume Musso com Central Park e Marc Levy com Une Autre Idée de Bonheur) a cumprirem a guarda de honra à alcoólica e perturbada Rachel Watson. Que é como quem diz La Fille du Train, ou The Girl on the Train ou A Rapariga no Comboio. Pouco importa: ela está em toda a parte. Saliência final, nesta listagem gaulesa, para Le Charme Discret des Intestins, da alemã Giulia Enders, também em destaque em Portugal ( A Vida Secreta dos Intestinos), que nada tem de ficção. Pelo contrário, segue o percurso – salvo seja – e traça o alcance daquele que é considerado o órgão mais desprezado do corpo humano, avançando respostas para muitas das questões relacionadas com o trânsito intestinal e tudo à volta – salvo seja outra vez…
Os franceses escapam a um dos fenómenos que, mais tarde se verá, podem ou não ser sazonais: o dos livrinhos para colorir… por adultos. Um nome, o de Johanna Basford, faz acender as luzes e, sobretudo, soltar as cores dos dois lados do Atlântico, tanto com Secret Garden como por causa de Enchanted Forest, dois volumezinhos em que se torna possível praticar a tão valorizada interatividade. Os ingleses vão mais longe, somando ainda Animal Kingdom e Tropical Forest, de Millie Marotta, e o mais pomposo Art Therapy Colouring Book, de vários autores. Há ainda um último caso, The Mindfulness Colouring Book ( com o subtítulo “terapia artística anti stress para pessoas ocupadas”), de Emma Farrarons, que nos permite fazer a ponte para Portugal, onde a expressão mindfulness já se instalou, com a ajuda do livro Mindfulness – Atenção Plena, de Mark Williams e de Danny Penman. Trata- se, no dizer de autores e de editores, de um programa de oito semanas que combate a ansiedade, o cansaço e o stress, tudo através da mindfulness, que, em linhas gerais, pode definir- se como um estado mental que se foca sobretudo no presente, no reconhecimento e aceitação de sentimentos, pensamentos e sensações físicas, no combate ao stress e à ansiedade em função de uma terapia que, como vimos, até pode passar por colorir livros especialmente desenhados para o efeito. No caso da edição portuguesa, os exercícios, típicos da autoajuda, parecem chegar caucionados por investigadores universitários e estudos clínicos que atestam ser este método “tão eficaz como os antidepressivos”. Verdade ou mistificação. Cite- se uma sentença de paragens distantes – não negue à partida uma ciência que desconhece.
Voltemos à ficção, quase sempre menos controversa para concluir que, em Londres e em Nova Iorque, parecem cumpridas, e através das leis do mercado, as regras da proporcionalidade entre géneros. Com alguma vantagem para as senhoras. É certo que, dos dois lados do mar, marca presença Andy Weir, ainda com O Marciano ( já editado em Portugal), escrito na perspetiva de um astronauta que, erradamente dado como morto, caba por ser abandonado pelos seus parceiros de tripulação. O livro volta a dar sinais quando se anuncia para breve ( outubro) a estreia do filme, realizado por Ridley Scott e com Matt Damon e Jessica Chastain. Também Anthony Doerr parece ter lugar cativo no top americano, com Toda a Luz Que não Podemos Ver ( também já lançado por cá), vencedor do Prémio Pulitzer e um dos enredos que nos transportam ao ambiente da II Guerra Mundial, uma fonte inesgotável de inspiração. James Patterson e o Dr. Seuss alargam esta lista nova- iorquina mas, se virarmos ao feminino, o rol revela- se muito significativo: além de Harper Lee, Paula Hawkins e E. L. James, também aqui moram Kathy Reichs ( com mais um volume ligado à série televisiva Ossos), Kristin Hannah ( com o recente The Nightingale, o que alarga a presença da passarada entre os eleitos de verão e regressa ao conflito mundial de 1939 a 1945), Elin Hilderbrand ( The Rumor, história em que duas mulheres precisam de combater os boatos que as atingem, numa cidade suficientemente pequena para que os rumores contem), Jessica Knoll ( Luckiest Girl Alive, pós- juvenil) e Catherine Coulter ( Nemesis, de uma das muitas séries desta “máquina” produtora). Falta referir um regresso, o de Lugares Escuros, de Gillian Flynn, ressuscitado em nome do filme que junta Charlize Theron e Chloë Grace Moretz, com estreia portu- guesa na próxima quinta- feira. Portugal também aplaude Miss Flynn, apostando na recente edição de Objetos Cortantes, que diz respeito a um volume publicado “em casa” no ano de 2007.
Há mesmo dois livros diferentes, mas com o mesmo título, a averbar pontos nos dois mercados anglófonos: The Good Girl, de Mary Kubica, prende a atenção dos americanos no rapto de uma menina das melhores famílias de Chicago. Já The Good Girl, de Fiona Neill, mostra boa cotação junto dos britânicos, ao contar a história dos conflitos entre mãe e filha a propósito de segredos. Além dos frequentadores já enumerados, Londres acolhe alguns hóspedes habituais, como John Grisham ( Gray Mountain), David Nicholls ( Nós, já cá chegado), John Green ( Cidades de Papel, com o qual se passa o mesmo) e James Patterson ( NYPD Red 3). O contrapeso fica ao cuidado de Claire McIntosh ( I Let You Go), Rachel Joyce ( The Love Song of Miss Queenie Hennessy, em que se apro-