Diário de Notícias

Lula, Dirceu e Dilma. A vida deste trio dava uma telenovela

Os cruzamento­s do triângulo marcam a política do Partido dos Trabalhado­res e do país. Uma história que passa por favelas, fábricas, cadeias ( durante mas também depois da ditadura), sindicatos, associaçõe­s académicas e palácios

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

Dois deles chegaram à Presidênci­a, dois deles foram torturados pela ditadura, dois deles fundaram o partido mais vitorioso do Brasil, dois deles superaram um cancro. Três vidas intensas.

Dois deles chegaram à Presidênci­a da República, dois deles foram torturados na ditadura militar, dois deles fundaram o partido político mais vitorioso do Brasil, dois deles superaram um cancro. As vidas intensas de Lula da Silva, Dilma Rousseff e José Dirceu davam três romances – ou uma telenovela da Globo – e confundem- se com os destinos e desatinos do país dos últimos quase 40 anos. Continuare­mos, por mais uns tempos, a ouvir notícias dos três, seja a partir do Palácio do Planalto, seja desde a carceragem da Polícia Federal de Curitiba.

Se há um momento em que as vidas de Lula, Dilma e Dirceu se cruzam com a história do Brasil é em junho de 2005. É por essa altura que o escândalo do Mensalão – a compra de deputados com dinheiro público pelo Partido dos Trabalhado­res ( PT) – deflagra nas mãos de José Dirceu, o então ministro da Casa Civil e todo- poderoso número dois de Lula da Silva, que fora eleito presidente três anos antes.

Com o incêndio a alastrar pelo Palácio do Planalto, a Dirceu não restou alternativ­a senão demitir- se para preservar o governo, o seu presidente e a réstia de esperança em voltar um dia à ribalta para cumprir o acordo pelo qual sucederia a Lula ( no fundo, uma versão sul- americana do Granita Pact, de Tony Blair e Gordon Brown, no Reino Unido). A troca Lula decide então que para o lugar de Dirceu na Casa Civil teria de escolher alguém com perfil técnico, fora do núcleo político do partido, contaminad­o pelo Mensalão e sob mira da imprensa, da oposição e da justiça. Decide- se por Dilma Rousseff, a sua eficaz ministra das Minas e Energia. Como ser ministro da Casa Civil no Brasil na prática é ser o primeiro- ministro, de lá à presidênci­a é um passo. E em 2007, três anos antes de acabar o seu segundo mandato, já Lula tratava Dilma como sucessora, decisão que ratifica, sem marcar primárias ou ouvir sequer a direção do PT, em 2009.

“Havia um vazio no partido após o Mensalão, Lula agiu bem, ela po- dia ser neófita no PT mas era uma antiga companheir­a de esquerda”, disse Tarso Genro, na altura ministro da Justiça, ao Folha de S. Paulo.

Blogues de direita, hostis a Lula e Dilma, defendem a teoria de que ela foi escolhida porque, enquanto ministra das Minas e Energia, estava a par das falcatruas na Petrobras.

O certo é que a 1 de janeiro de 2011, Lula, com o título de mais popular dos presidente­s do Brasil, entrega a faixa a Dilma na rampa do Planalto. E em 2014, ela é reeleita. Entre uma e outra eleição, Dirceu é condenado a sete anos e 11 meses por corrupção no Mensalão. As apresentaç­ões Do trio, os primeiros a travarem conhecimen­to podem ter sido Dilma e Dirceu – ou Wanda e Carlos como eram conhecidos na clandestin­idade dos anos 70. O irrequieto Dirceu, que depois de ter sido comparado a Daniel Cohn- Bendit pela ação como líder estudantil, foi alcunhado de Alain Delon dos Pobres pelo sucesso com o público feminino, namorou Iara Iavelberg, mais tarde companheir­a de cela de Dilma.

Em 1979, já Dirceu havia sido detido e posteriorm­ente libertado por troca com um embaixador americano, vivido na clandestin­idade, mantido duas famílias em simultâneo, mudado de aparência após uma operação plástica e estado exilado em Cuba, quando veio a conhecer Lula. Conta o jornalista Otávio Cabral em Dirceu, a Biografia que foi o padre e escritor Frei Betto quem apresentou o romântico preso político ao sindicalis­ta barbudo de voz rouca.

Lula, sétimo filho de uma família miserável de Pernambuco, cresceu numa favela de São Paulo. Aprendeu o ofício de torneiro mecânico, perdeu um dedo no exercício das suas funções, iniciou- se no sindicalis­mo e em 1977 liderou uma greve dos metalúrgic­os com repercussã­o internacio­nal.

Depois de fundar o PT e perder três corridas à presidênci­a, ficou encantado com a discreta secretária de Minas e Energia do governo de Rio Grande do Sul, em 2001, numa reunião com a sua equipa de assessores da área energética. “Chegou com um computador­zinho na mão, cheia de conhecimen­to, pensei para comigo, tenho aqui a minha ministra das Minas e Energia caso seja eleito”, contou Lula, sobre Dilma, à revista Piauí. O desfecho Hoje, Dilma tem o título oposto ao de Lula: é a presidente mais impopular do país. Levou o Brasil a um beco sem saída económico e político e vive em flirt permanente com o impeachmen­t. Lula, que tinha como certa a eleição em 2018, agora perde nas sondagens para todos os potenciais rivais, ao mesmo tempo que o seu nome paira na Operação Lava- Jato. Já Dirceu, que nunca recuperou dos abalos do Mensalão, caiu de vez em desgraça no Petrolão.

Mesmo que a situação pareça difícil, ninguém duvida que estes três vão continuar a dar que falar nos próximos tempos. Por boas ou más razões. E restar- lhes- á sempre uma biografia recheada: Dilma e Lula superaram um cancro; Lula e Dirceu fundaram o PT; Dirceu e Dilma foram torturados na ditadura militar. E Lula e Dilma chegaram à Presidênci­a da República.

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