Diário de Notícias

“ESTAR GRÁVIDA SUAVIZOU A DECISÃO DE PÔR FIM À CARREIRA”

- C É U NEVES ( T e x t o s ) ORL A NDO A L MEI DA ( F o t o g r a f i a s )

Acabou a carreira há quatro meses, o que é que mudou? Mudou a minha rotina, o facto de não ter um objetivo, uma competição importante para me preparar. Ainda é uma decisão difícil? Não foi uma decisão fácil mas tinha de tomá- la, para já, porque estou grávida. Mas foi uma decisão coerente e a gravidez facilitou. Tudo na vida tem uma etapa e a da competição chegou ao fim. Começa agora uma nova, se calhar a mais difícil e a mais bonita da minha vida: ser mãe. A gravidez foi uma coincidênc­ia? Foi. Fui operada três vezes devido às lesões. Em meados de novembro, dezembro, iniciei os treinos mas tinha muitas dores. Comecei um tratamento novo, a ter melhoras, a saltar, a ganhar confiança, a calçar outra vez os sapatos, e surgiu uma lesão no joelho. Fiz uma ressonânci­a e os médicos disseram que tinha de ser operada, pensei: “Não. Quarta vez? É impossível.” Quarta vez desde 2012? Sim. E, para uma pessoa que está habituada à alta competição ao mais alto nível, estar tanto tempo sem competir, obviamente que o rendimento não vai ser igual, os treinos não vão ser iguais. Sempre fui uma atleta de topo e competir só por competir não faz sentido. Ajudou- me, também, ter descoberto que estava grávida. Foi mesmo a chave de ouro, porque suavizou. Não custou tomar essa decisão porque ia ter um filho. Diz que quer ser a melhor mãe. Quero. Obviamente. O seu objetivo é sempre ser a melhor? Sim, sempre. A melhor fisioterap­euta, a melhor mãe, a melhor esposa, a melhor em tudo. O melhor não basta, é dar 100%? Todos devíamos pensar assim em tudo o que fazemos. E quando é assim é mais fácil. Obviamente que, por exemplo, na escola, quis ser a melhor mas quando a cabeça não dá, não dá. Mas não desmotivav­a, não ficava triste, porque sei que há capacidade­s que não tenho. Já começou os treinos para mãe, também é um trabalho intenso? Tenho feito as coisas todinhas como deve de ser. Faço tudo o que a médica me pede. Mas, obviamente, quando o bebé nascer é que vai ser o desafio maior. “As coisas todinhas” incluem a preparação para parto? Sim, já comecei o curso. Está a ser interessan­te. Também tenho a vida um pouco facilitada porque a minha irmã foi mãe há dez meses. Inclusive assisti ao parto. Primos com pouca diferença de idades, tal como as mães. Eu e a minha irmã temos uma diferença de idades pequena e eu aprendi com a gravidez dela. E também tenho acompanhad­o o cresciment­o da minha sobrinha, que é minha afilhada. Faço tudo: dar banho, mudar fraldas, portanto, já tenho uma experiênci­a. Acabou o stress da atleta de alta competição. Sente- se aliviada ? Era aquele stress bom e do qual sinto saudades: a adrenalina. “Ai vamos entrar em competição; será que vai correr bem?” Isso é muito bom, faz parte. Mas obviamente que a vida agora é muito mais tranquila. Não tenho de pensar se consigo ou não saltar mais longe, se estou pronta ou não, se as lesões vão deixar- me treinar, se tenho dores. Acabaram as dores? Não tenho dores, estou fantástica e isso também é bom. Porque cheguei a um ponto em que já não tinha energias psicológic­as nem motivacion­ais. Queria muito mas faltava- me aquela alegria que sempre tive, faltava- me aquela paixão. Treinos bidiários, quatro horas. Sim. E gostava. Treinava duas horas de manhã e duas à tarde. A correr de um lado para o outro. Eu não, porque faço muitas coisas. Como saltadora, faço musculação, saltos, é muito giro, adorava treinar. Quanto mais treino me pusessem mais eu gostava. Era desafiante. O meu treinador é que, às vezes, tinha de me pôr travão. Uma das diferenças na sua vida é que aparece menos nos jornais desportivo­s e mais na imprensa cor- de- rosa. É verdade. Vão buscar fotos minhas ao Instagram. Como é que lida com isso? Só partilho algumas coisas, acho que devo isso às pessoas que gost am de mim, que gostam de me seguir e que me apoiam. E partil ho um pouco do meu percurso como grávida, mas q. b. Nunca fui de expor muito a minha vida. Mas é verdade, tenho saído muito nas revistas cor- de- rosa. Também t alvez devido à gravidez, chama a atenção e à cusquice. Mas é bom. Há uns anos atrás pouco se sabia da sua vida privada, agora partilhou o pedido de noivado. Sim, mas o meu namorado já tinha sido apresentad­o há muito tempo, namoramos há 14 anos. E o noivado, pronto, partilhei no Instagram. Fora disso, não mostro mais nada. Voltou aos seus passatempo­s: dançar, música e cinema? Dançar, não muito. Cinema também não, ia com o meu namorado e ele trabalha em Angola. Adoro praia, tenho ido, e gosto de passear. Há a hipótese de ser treinadora de atletismo? Fiz um curso de treinadora de 1. º grau, fui a melhor aluna. Falta é o estágio, mas neste momento quero pensar no meu filho e nos preparativ­os para o seu nascimento. Encara a possibilid­ade de ir para Angola, uma vez que o seu companheir­o trabalha lá? Se ele continuar lá, sim. Não faz sentido eu estar aqui e ele lá. Temos de partilhar os dois a paternidad­e. Tem propostas para Angola? Não tenho nada, mas temos muito tempo para decidir, a vida dá muitas voltas. Se ele continuar lá é uma hipótese mas não temos ainda nada estruturad­o. Se for treinadora deixará a fisioterap­ia? Não, gostaria muito de acumular, vamos ver. Sou daquelas pessoas que pensa dia a dia, não sou de tomar decisões nem de programar muito antecipada­mente. Pensávamos em ter um filho e aconteceu. A vida é mesmo assim. No atletismo, o principal adversário é a própria pessoa? É a própria pessoa. Sempre pensei assim. Quando competia, competia em primeiro lugar comigo. E nos treinos também: vencer os meus obstáculos, os meus medos. Nunca pensava nas adversária­s. Nunca? Não. Sabia que se conseguiss­e superar- me – porque sabia aquilo que valia – poderia ganhar a qualquer uma e, por isso, não valia a pena estar a preocupar- me com as outras. Obviamente que, em competição, há aquela adrenalina de querer ultrapassa­r a adversária, de querer ganhar, mas no meu dia- a- dia não. Há atletas que gostam de ler a lista das adversária­s, veem as marcas, etc. Eu nunca liguei a isso. As marcas não contam? Não e sou o exemplo disso. Nos Jogos Olímpicos [ Pequim, 2008] era a melhor do mundo naquele ano e falhei. Nada é garantido. Depende muito do vento, da disponibil­idade do atleta, da maneira como acordou, tudo influência. Por isso é que eu nunca penso nos outros e penso muito em mim. Tinha um objetivo e era para isso que treinava. Quando quis chegar aos sete metros, punha um monte de areia nos sete metros e dizia ao meu treinador: “Quando conseguir passar o meu pé à frente deste monte, consegui- mos saltar os sete metros.” Até que um dia passei o monte. Era uma forma de motivar. Punha sempre essas coisinhas no treino, por iniciativa minha. Chegava lá e dizia: “Professor, vou pôr aqui uma linha.” E no salto em altura foi a mesma coisa. Quis saltar 1,80 m e meti uma linha no meu quarto, tinha uns 22 anos, para onde olhava sempre que entrava no quarto. Tinha sempre algo motivacion­al para conseguir alcançar. Conta mais o físico, o trabalho ou a mentalidad­e de vencedora? É tudo. Se tivesse essa mentalidad­e e não tivesse aptidões físicas e genéticas era complicadí­ssimo. E eu, graças a Deus, tive esse conjunto. Há outros aspetos que poderia ter melhorado mas acho que foi bom. O atletismo é um desporto individual, qual é a parte positiva, comparativ­amente aos desportos coletivos? O que é positivo é que, quando fazemos uma marca, fomos nós que a fizemos. Quando cheguei aos sete metros, fui eu e o meu treinador que chegámos àquela marca. E depois é o ambiente que se cria, mesmo no próprio treino, não é uma equipa mas torna- se uma equipa. Vamos a uma competição internacio­nal, uns Jogos Olímpicos ou Europeus, obviamente que cada atleta tem o seu objetivo mas todos se reúnem para ver a competição uns dos outros. Fica a amizade, este espírito de camaradage­m. As viagens, dei quase a volta ao mundo. Esteve em três Jogos Olímpicos, em Sydney ainda como representa­nte de São Tomé e Príncipe. É essa a medalha que lhe falta? Faltou. Mas vou ganhar uma que supera tudo, que é o meu filho. Mas faltou, obviamente … É a mágoa que tem na carreira? Não tenho mágoa, já ultrapasse­i. Obviamente que gostaria mas não consegui, não vou estar aqui: “Ai, se pudesse voltava para trás.” Não! Passou. Quem dera a muita gente ganhar as medalhas que ganhei. Para mim e para o meu treinador, era a medalha que nos faltava, a mais importante da carreira mas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal