“COSTUMO DIZER ÀS MIÚDAS: FAÇAM A VOSSA HISTÓRIA, EU JÁ FIZ A MINHA”
Veio para Portugal com 11 anos, o que é que lembra de São Tomé? É o que costumo dizer à minha irmã: lembro- me do cheiro, das brincadeiras, tudo ao ar livre. Não t í nhamos brinquedos, não t í - nhamos televisão – acho que só aos fins de semana é que íamos aos vizinhos ver a televisão – então convivíamos muito mais. Tem regressado a São Tomé? Poucas vezes, a última em 2004. De férias, nunca fui. Mas gostava, porque tenho lá a minha avó, a minha tia, as minhas primas, fora isso, já não conheço ninguém. É um país de que gosto imenso. As pessoas são super- humildes e mantêm a cultura. Qual é a comida são- tomense de que mais gosta? A minha mãe faz o calulu, que é um prato típico de São Tomé, a cachupa, os doces, que eu amo de paixão. Mas o que recordo com mais saudade são as brincadeiras, que eram inventadas por nós. Gostava muito que o meu filho passasse por isso, brincar na rua. Veio de São Tomé para Fernão Ferro, muito betão. Sim. Completamente diferente. Como é que foi a adaptação? Estudávamos no Feijó e vivíamos em Fernão Ferro, que era bem longe. Acordávamos às seis e tal da manhã e íamos com a minha mãe apanhar o autocarro para entrar na escola às oito. E chegávamos a casa tardíssimo. A mãe proibia- nos de brincar com os vizinhos, porque não os conhecíamos, dizia para não aceitarmos nada de ninguém e nós obedecíamos. Ela era mãe e pai e percebo o medo dela. Vai ser uma mãe rígida? Não serei como a minha mãe, embora eu a perceba. Tinha de educar duas miúdas, duas mulheres, o que não é nada fácil. Tão rígida não serei, mas vou ensinar ao meu filho muitas das coisas que ela me ensinou. Vejo crianças a f azer birras no supermercado porque a mãe não lhes comprou alguma coisa, isso não está no meu conceito, nem no meu nem no do pai dele. Ele também foi educado pela mãe e tem a mesma maneira de pensar. Obviamente que o meu filho vai ter coisas que não tive, mas há regras e ele vai saber que, para conseguir uma coisa, terá de se esforçar. Sentiu- se bem acolhida quando chegou a Portugal? Sim. Fomos muito bem aceites. A escola era no Feijó, um meio pequeno, era fantástica, os professores eram fantásticos, ajudaram- nos imenso. Tivemos sorte. Não teve problemas de racismo? Não, obviamente que, na escola, diziam coisas do tipo “vai para a tua terra”, mas nunca liguei a isso Li um artigo de 2004, quando ganhou o Campeonato Mundial de Pentatlo, que dizia “Ouro Negro”. Lembra- se disso? Não, não li ou não reparei. É bom sinal. Pois. Também nunca liguei a isso. Penso que se não der importância aquilo morre ali. Agora, que o racismo existe, existe. Conheci amigos que, se apresentassem uma namorada negra aos pais, eles abananavam um pouco. O que é que sentiu ao ouvir o hino português no pódio? Foi a primeira vez que ouvi um hino nacional. Nunca tinha ouvido o hino de São Tomé em competição. Foi uma grande emoção. Vê alguma Naide Gomes no atletismo português? Naide Gomes não vejo ninguém, acho que sou insubstituível, mas pode haver uma melhor do que eu, sem dúvida. Um nome. Não vejo, mas nunca se sabe, o desporto é assim. De repente, pode aparecer uma atleta fantástica. Agora, elas não podem preocupar- se comigo. Costumo dizer a essas miúdas: “Façam a vossa história, eu já fiz a minha.”