Diário de Notícias

Egito troca Nilo pelo Suez

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LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Abdel Fattah Al- Sisi provou há dias que não há como o Suez para um líder egípcio mostrar serviço e prometer grandeza. Já tinha sido assim com o quediva Ismail, que fez parceria com Ferdinand de Lesseps para abrir o famoso canal, inaugurado em 1869 na presença de cabeças coroadas europeias. E aconteceu também com Gamal Abdel Nasser, que ao nacionaliz­ar o Suez em 1956 ganhou aura de campeão do anti- imperialis­mo.

Al- Sisi sabe que o povo egípcio aprecia a monumental­idade. As pirâmides estão lá para o provar. E por isso, tal como o quediva que o jovem repórter Eça de Queirós descreveu nas páginas do DN, fez- se rodear na abertura do novo traçado do canal por um grupo de chefes de Estado e de governo, com as honras maiores a serem para François Hollande, francês como o engenheiro Lesseps.

Mas o Suez é sobretudo uma fonte de divisas para o Egito, gigante pobre, com 90 milhões de habitantes e um PIB inferior ao de Israel. A concretiza­ção do objetivo de duplicar o número de barcos que por lá passam ( 10% do tráfego mundial) e triplicar as receitas representa­ria um maná para uns cofres que sofrem com a fuga de turistas que se seguiu ao derrube de Hosni Mubarak.

Com o turismo em crise e a agricultur­a a não conseguir produzir ao ritmo que cresce a população ( mesmo com a bênção das cheias do Nilo), o Suez é cada vez mais o caminho para o Egito reforçar o estatuto de potência regional. Afinal, este é o país que lidera o mundo árabe, que medeia entre israelitas e palestinia­nos, que ajuda a Arábia Saudita a travar a rebelião pró- Irão no Iémen e que um dia destes acabará por intervir na Líbia. Até é o país ( e não foi há muito tempo) que ameaçou atacar a Etiópia se esta desviasse o Nilo.

Al- Sisi despiu a farda mas é um general. Subiu na hierarquia sob Mubarak; foi promovido por Mohammed Morsi por ser um muçulmano piedoso, mas acabou por derrubar o presidente eleito que deixou a Irmandade Muçulmana apoderar- se do país e perseguir os cristãos; percebe- se que é sim um nacionalis­ta e por isso o apoio que recebeu dos coptas, de quem saiu de novo em defesa quando jihadistas líbios decapitara­m um grupo deles.

Ora, um Egito orgulhoso não po - de continuar uma nação de pobres. Por isso o dinheiro do Suez terá de trazer prosperida­de à sociedade. Mas um Egito influente no Médio Oriente precisa também de Forças Armadas poderosas. E como lembra o Suez, há as costas mediterrân­ica e do mar Vermelho para vigiar. O que exige uma marinha à altura das ambições, capaz de honrar a frota mameluca de há 500 anos ou a de Muhammad Ali no século XIX.

Por causa das sanções à Rússia, a França tem dois Mistral para venda. Diz o Le Monde que o Egito é o cliente provável. Faz sentido: desde que afastou Morsi, Al- Sisi tem contado com a ajuda saudita e o dinheiro deve vir daí. Navio porta- helicópter­os e capaz de transporta­r blindados e centenas de soldados, o Mistral permite projetar força. É o que Hollande terá dito a Al- Sisi no Suez.

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