Diário de Notícias

Zuckerberg não está sozinho. Mas há histórias com final feliz

Aborto espontâneo é mais comum do que se pensa, mas poucos falam do luto que atravessam. Fundador do Facebook revelou- o na internet. Para que a dor não fique mais escondida

- A NA MAI A

Sandra e Marco, Salete e José Carlos, Carolina e Rui. Pais que aos olhos dos outros o ficaram por ser, mas que aos seus olhos o são de corpo e alma. Perder um filho na gravidez deixa marcas. Mas é por norma o silêncio que impera. Por vergonha, culpa, o sentimento de que os outros não compreende­m porque se chora por bebé que não se viu ou sentiu dentro da barriga.

Falar parece tabu. Mark Zuckerberg quebrou- o na semana passada, ao revelar na sua página do Facebook que ia ser pai e que antes, ele e a mulher, passaram por três abortos espontâneo­s. “Ainda há vergonha em dizer que se perdeu um bebé durante a gravidez. Ouvem outros dizer- lhes ‘ esquece isso’. Isso é um filho e um filho não se esquece. As pessoas não entendem como se chora a morte de um filho que não se conheceu, que não se sentiu”, diz Sandra Cunha. Faz parte da associação Projeto Artémis ( www. facebook. com/ associacao­artemis), a única em Portugal que apoia o luto gestaciona­l. Fala como psicóloga da associação e como mãe que perdeu um filho às dez semanas de gestação: “A sensação que tenho é que passei a sentir de maneira diferente, a sorrir de maneira diferente, que perdi um pouco de mim.” Sandra e o marido, Marco, são pais de um menino de 7 anos, Tomás, e de Beatriz, nome do bebé que perdeu.

Encontrou conforto na associação onde trabalha. “Ninguém no hospital perguntou se precisava de ajuda. Se ninguém pergunta é porque se calhar é errado sentir esta dor. É o que se pensa. Achamos sempre que foi alguma coisa que fizemos.” Falar ajuda a perceber que não estão sozinhos, que merecem ser felizes, a fazer o luto. Com o tempo que cada um precisa. “Aprendi a sentir saudade de uma forma saudável e a não viver em função de um projeto de vida que ficou a meio.”

Sandra e Marco foram pais do Tomás um ano depois. Uma gravidez desejada, mas vivida a medo. “Só estava bem à frente do ecógrafo. Não tenho uma única fotografia e a primeira roupa que comprei para o Tomás estava grávida de sete meses, porque havia o risco de nascer an - tes do tempo. Não quis memórias como se fosse preciso isso para elas serem nossas”, diz. É feliz, aprendeu a ver as coisas boas e a sorrir.

Salete Matos tem cinco filhos. “Tenho o Emanuel e os meus outros

Sandra e o marido Marco são felizes com Tomás, mas antes perderam uma filha durante uma gravidez quatros filhos que estão comigo de forma diferente”, diz. Tem 41 anos, Emanuel 3 e durante esse percurso quatro abortos espontâneo­s sempre entre as 8 e as 9 semanas, o que a fez pensar na morte. Culpou- se como mãe, como filha, como mulher. “Questionei- me que espécie de bicho era eu que não conseguia segurar os meus filhos, embora soubesse que não era caso único.”

Da primeira vez, soube que estava grávida no momento em que perdeu o bebé, em 1999. Estava casada há um ano com José Carlos. Na segunda gravidez aguardou pelo dia de Natal para contar à família. “Era o nosso presente. Mas no dia 28 veio o pesadelo outra vez”. Mais uma tentativa, mais um positivo, mais uma derrota. “Era uma mãe de Mark Zuckerberg e Priscilla Chan esperam um filho, após

três abortos espontâneo­s membros amputados. Tinha braços mas não podia abraçar, tinha boca mas não podia dizer amo- te.” Pediu ajuda.

Salete e Rui trocaram Portugal pela Suíça. Estava pronta para desistir. O marido disse- lhe que gostava de tentar. Voltou a engravidar. Às 8 semanas o coração não batia. Este bebé ajudou- a a começar o luto. “Tive- o na minha mão e prometilhe que não ia desistir. Não sei o que senti... Além do amor imenso e da culpa. Fiz uma oração e pedi- lhe perdão. Tive o suporte psicológic­o para aceitar que não somos aberrações.” Foi ele que ajudou a ter as respostas: a gravidez provocava um descontrol­o na tiroide que leva ao aborto. Emanuel veio com a ajuda do tratamento de estimulaçã­o e um comprimido diário para a tiroide. Passou noites em branco. “Colocava a mão na barriga e pedia ‘ meu Deus, dá- me um sinal’.” E Emanuel mexia. Comprou as primeiras roupas só depois de ele nascer. O medo foi mais forte. Agora é a alegria.

Carolina e Rui Resende fizeram tratamento­s de fertilidad­e durante 14 anos. Esperaram muito a vinda da menina. Mas uma malformaçã­o grave no coração ditou um destino diferente. Às 20 semanas teve de terminar a gravidez. Veio a culpa. “Assinar um papel, para tirar o nosso bem mais precioso, parecia uma nuvem negra”, diz Carolina. “Será que fui eu que falhei”, perguntou- se muitas vezes. Foi um acaso. A ajuda da psicóloga da Maternidad­e Daniel de Matos ajudou- a. “Disse- me para escrever uma carta, pegar numa flor, ir ao mar fazer a minha despedida.” Fê- lo.

Enfrentou as perguntas, os bebés nos braços de outras mães, sentiu- se só no meio da multidão. “Às vezes as pessoas magoam e não sabem. Mais vale não dizer nada e dar apenas um abraço”, conta. Encontrou este abraço ao falar com outras mulheres que passaram o mesmo. Engravidou novamente. Só viveu a gravidez quando faltavam 19 semanas para o nascimento. Vitória Maria nasceu a 7/ 7/ 2007. “É a minha pequena maravilha”, brinca. E dois anos depois, mais uma menina. “Nunca irei esquecer a minha primeira filha. Foi ela que me fez mãe.”

“Depois de identifica­da a gravidez podemos contar com 10% de abortos espontâneo­s até às 12 semanas. Dois terços são por causas genéticas, anomalias que não permitem ao embrião evoluir, um terço por descolamen­to, infeções”, explica Luís Graça, diretor do serviço de obstetríci­a do Hospital de Santa Maria. Até 2012 a Direção- Geral da Saúde registava a procura de cuidados por este motivo: rondava as cinco mil.

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