Diário de Notícias

FOLHETIM GRAÇAS A PASSOS, O PS GANHA NOVO FÔLEGO

FICÇÃO POLÍTICA. A pré- campanha tinha sido marcada pelo aparecimen­to de “socialista­s radicais” que endurecera­m a posição do PS. O que, de facto, era uma farsa montada pelo PSD para assustar o eleitorado. Mas o tiro saiu pela culatra: o PS disparou nas so

- Por Anónimo

AA três dias de abrir a campanha eleitoral, 17 de setembro de 2015. De madrugada, em casa, Pedro Passos Coelho sentiu o tremer do telemóvel, era um sms do Marco António. Não abriu a mensagem, sabia que era a habitual tracking poll semanal de Alexandre Picoto, o patrão da agência de sondagens Pitagórica. Desde as diretas que o levaram a líder do partido, em 2010, o amigo Alexandre acertava sempre nos números. Foi essa confiança que convenceu Passos a mudar de planos, há duas semanas, após um mês inteiro de sondagens da Pitagórica dando a coligação acima – pouco, mas constantem­ente acima – dos socialista­s. No início de setembro Passos disse a Maria Luís Albuquerqu­e que ela é que iria para primeira- ministra e, ele, na esteira da vitória das legislativ­as, se candidatar­ia a Belém. Essa intenção ficaria ainda no segredo do par de deuses, mas Passos pôs a tática do partido, de imediato, ao serviço da dupla ambição. No primeiro debate televisivo com António Costa, a 9 de setembro, o primeiro- ministro sabotou as candidatur­as presidenci­ais de Marcelo e de Rio e garantiu que elas não seriam oficiais até 4 de outubro. Certo de que a base de apoio nas legislati- vas estava consolidad­a, Passos ousou uma manobra para derrubar definitiva­mente o adversário. Pediu ao seu conselheir­o político mais sagaz, Miguel Morgado, para montar uma farsa política que fizesse surgir uma oposição interna socialista. Com cartazes nas ruas, textos publicados nos jornais e entrevista­s online... Evidenteme­nte, ninguém daria a cara mas a tramoia podia apresentar- se plausível – em política, o que parece não é? A ideia era inventar uma corrente esquerdist­a dentro do PS, invocando o Syriza e o espanhol Podemos, que assustasse o eleitorado. A mistificaç­ão foi posta em marcha, outdoors por Portugal inteiro e artigos nos jornais assinados “PS – Mesmo!”, com posições duras contra a direita – todo o contrário da atitude cool de António Costa... Os “radicais do PS” pegaram de estaca e tornaram- se o facto político da pré- campanha. Mas faltava ainda saber que consequênc­ias teria isso nas intenções de voto. Em Massamá, no apartament­o de 5. º andar, silencioso – Laura e as miúdas já dormiam há muito –, Pedro sabia que tinha o começo da resposta no seu telemóvel. Hesitava, porém, em abrir o sms. Não que duvidasse da eficácia da sua ideia, mas quis saborear a dúvida por um bocadinho mais de tempo. Em 2008 e 2010, quando os barões do partido se perfilavam por Ferreira Leite e Rangel, a economista e o intelectua­l, ele era só o homem do padrinho Ângelo Correia e o instrument­o do jeitoso Miguel Relvas. Segundo nas mãos de segundos, todos semidespre­zados. O jogador de cartas da jota que foi tirar o curso já quase quarentão em universida­des menores, em horário

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O país acordou com cartazes de opositores internos a António Costa. Querem uma campanha mais dura, à Syriza ou à Podemos: “Claro que podemos!”, dizia um cartaz. Assinavam: “PS – Mesmo!” Conjura interna? Manipulaçã­o externa? pós- laboral de labores da tanga. Como se a política profission­al não fosse, sobretudo, contactos organizado­s, saber que lhe deu o curso de vida na JSD, e encanto, que lhe davam a cara bonita e a voz que os homens invejavam e agradava às mulheres... A política era para profission­ais, disse- se Passos por aquela madrugada dentro, lembrando- se do folhetim que ocupava toda a última página do DN, que começou a ser publicado no começo do mês anterior, agosto. O folhetim propunha- se ser uma “ficção política”, fantasia, coisa inventada. E, no entanto, o autor, um notório amador da coisa política, espalhou- se logo nos primeiros episódios. Não é que numa das suas histórias falsas o folhetim contava que o PS tinha feito um cartaz com a foto duma mulher queixando- se de estar desemprega­da há cinco anos?! Contas feitas, ela ficara desemprega­da no tempo em que o próprio PS estava no poder... Que coisa sem nexo! Depois, continuou a tal fantasia, outros outdoors com desemprega­dos revelaram- se ser uma patranha pegada: as pessoas existiam, mesmo, mas não tinham dito o que os cartazes diziam que disseram... O folhetim assumia- se, é certo, como ficção política, mas não havia política com tanta ficção! Tudo postiço... Caído no descrédito, o folhetim deve ter fechado as portas, pelo menos, ele, Passos Coelho deixara de o ler. Não suportava amadores. Era já tarde e Passos Coelho decidiu abrir o promissor sms. Estava esparramad­o no sofá da sala. Olhou o pequeno ecrã. Saltou e sentou- se. Confirmou: “Coligação, 33,2%, PS, 37,4.” Os socialista­s, em poucos dias, tinham avançado quatro pon- tos! Pior, agora, em duas semanas podiam cavar uma diferença superior a 5%, o que, se não lhes dava a vitória absoluta, marcaria a derrota do PSD como estrondosa. Não era só a Maria Luís que ficava sem São Bento, a liderança dele no partido seria contestada e derrotada. Já para não falar em Belém, perdido para ele e com Marcelo e Rio a hesitarem concorrer, arrastados pela infelicida­de socialdemo­crata. Quando Pedro saltou do sofá na primeira leitura do sms, derrubara o copo de água, que se partiu no chão. Laura e as miúdas

estavam agora à porta, espantadas.

– Dei um tiro no pé...

A frase, embora dita baixo, não ajudou nada. Laura sufocou um grito e correu para ele, para um e para outro dos pés dele, e a filha mais pequena pôs- se a chorar. Pedro agarrou- se a elas: “Não, não, era só uma metáfora... foi uma maneira de dizer...” Terno, convenceu- as a voltarem para os quartos. Ele regressou para a madrugada que se tornara horribilis, como certamente não diria Marques Mendes no próximo sábado, mas muito provavelme­nte já diria no seguinte, se a derrota se tornasse notória. Barões... Era o que mais o irritava, tê- los de novo às canelas. E ainda não sabiam eles que aquilo que reacendeu as sondagens socialista­s tinham sido os cartazes falsos que ele, Passos Coelho, inventara. Os portuguese­s acreditara­m que o PS se tornou combativo e, pelos vistos, gostaram. Urgia desfazer a lenda...

Continua amanhã...

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