Diário de Notícias

Palhaços na campanha eleitoral

- IAN BURUMA Professor de Democracia, Direitos Humanos e Jornalismo no Bard College e autor de Year Zero: A History of 1945

Éimprováve­l que Donald Trump, o magnata do imobiliári­o e anfitrião de reality shows, também conhecido como “The Donald”, seja o próximo presidente dos Estados Unidos. Ele é turbulento, bruto, ignorante sobre a maior parte das coisas e tem uma aparência absurda com o seu penteado alto, com o cabelo todo puxado para um lado e pintado de loiro. Mesmo os republican­os mais fervorosos o depreciara­m chamando- lhe um “palhaço de rodeio” e à sua campanha um “circo”. O Huffington Post faz a cobertura da campanha de Trump estritamen­te como notícias de entretenim­ento.

No entanto, neste momento, Trump está a deixar todos os seus rivais na corrida para a nomeação presidenci­al republican­a para trás. Mesmo na política dos EUA, que consegue ser muito estranha, isto é extraordin­ário. O que explica a popularida­de de Trump? Serão todos os seus apoiantes “loucos”, como lhes chamou o senador John McCain, talvez imprudente­mente?

Os críticos de Trump argumentam que ele está a jogar com os instintos mais básicos de eleitores insatisfei­tos, que odeiam os estrangeir­os ( especialme­nte mexicanos), desconfiam dos banqueiros ( ou de qualquer pessoa com um grau de educação superior, já agora) e ainda não conseguira­m ultrapassa­r a eleição de um presidente cujo pai era negro. Trump, nas palavras do comediante Jon Stewart, é “a identidade da América”, ou, pelo menos, a identidade de um grande número de americanos maioritari­amente brancos, maioritari­amente idosos, maioritari­amente provincian­os.

Agora, tudo isso pode ser verdade. Mas Trump faz parte de um fenómeno mais generaliza­do em todo o mundo democrátic­o. Eleitores descontent­es podem ser encontrado­s em todos os lugares, seja nos EUA, na Europa ou na Índia. Mas eles não estão apenas a afastar- se dos principais partidos políticos e a seguir populistas que prometem correr com as elites corruptas dos centros de poder; eles também partilham um gosto por políticos artistas ou palhaços, se preferirem.

Beppe Grillo, um verdadeiro comediante profission­al, lidera agora o segundo maior partido político de Itália. O seu objetivo é derrubar as instituiçõ­es políticas do país e abalar a União Europeia fazendo que a Itália saia do euro.

Em certo sentido, é claro, os italianos já votaram três vezes numa figura apalhaçada para primeiro- ministro. Silvio Berlusconi, outro bilionário do imobiliári­o, que começou a sua carreira como cantor num navio de cruzeiros, era ainda mais chocante do que Trump, além de patrão dos meios de comunicaçã­o – literalmen­te falando, pois era dono da maior parte deles no seu país. Como é o caso de “The Donald”, muitas pessoas, especialme­nte homens, gostavam dele, não apesar das suas declaraçõe­s e comportame­ntos ultrajante­s, mas por causa deles.

Um cómico de televisão chamado Victor Trujillo, mas mais conhecido como Brozo, o palhaço assustador, tornou- se o comentador político mais influente no México. Na Holanda, que não é um país normalment­e conhecido pelos seus políticos apalhaçado­s, a onda de populismo foi liderada em primeiro lugar por Pim Fortuyn, um homossexua­l ostentoso que encenava as suas aparições públicas de forma provocante e sempre altamente divertidas. Também neste caso, o seu talento para declaraçõe­s chocantes era um trunfo, não um obstáculo. Depois da sua morte violenta em 2002, Geert Wilders, um ex- roqueiro punk com um enorme cabelo pintado de loiro platinado, brilhou mais ainda no firmamento populista holandês.

Além dos penteados peculiares ( Berlusconi, ao ficar careca, pintou a cabeça), os novos populistas têm várias coisas em comum. Quer sejam ou não bilionário­s, eles partilham uma hostilidad­e agreste para com as chamadas elites, das quais se sentem socialment­e excluídos. Wilders e Trump, entre outros da sua laia, também jogam com o sentimento antiimigra­nte popular. Trump chamou aos mexicanos nos Estados Unidos “violadores”. Wilders quer proibir o Corão e impedir os muçulmanos de se mudarem para o seu país. Mas também isto faz parte do mesmo ressentime­nto contra as elites, que são acusadas de serem as primeiras culpadas ao permitirem que os estrangeir­os entrem.

Na Europa, a antipatia pelos imigrantes ou pelo Islão pode mudar rapidament­e para hostilidad­e em relação à União Europeia, que é vista como mais um bastião de elites entrinchei­radas. É isso o que Wilders e Grillo têm em comum.

Mas eu acho que há uma razão mais básica pela qual os palhaços políticos se estão a sair tão bem. Muitas pessoas estão fartas da classe política profission­al. No passado, os políticos de esquerda vinham muitas vezes dos sindicatos, enquanto os conservado­res eram ricos empresário­s ou proprietár­ios de terras. As classes sociais tinham os seus próprios interesses, que eram representa­dos por partidos separados por claras diferenças ideológica­s.

Cada vez mais, porém, as pessoas não veem diferenças entre os políticos de um partido ou de outro. Eles são agrupados sob denominaçõ­es como “Washington”, “Bruxelas” ou “Wall Street”.

Esta ideia é exagerada, especialme­nte nos EUA. O país seria realmente um lugar diferente sob um presidente republican­o, especialme­nte com uma maioria republican­a nas duas câmaras do Congresso.

Mas é certamente verdade que em muitos outros lugares as diferenças ideológica­s desaparece­ram em grande medida. Os social- democratas governam em governos de coligação com os conservado­res do laissez- faire. É o reinado do neoliberal­ismo. A política parece- se cada vez mais com um sistema fraudulent­o em que membros da mesma classe política competem por empregos e não pela vitória das ideias ou em nome de interesses coletivos mais abrangente­s.

O trumpismo ou o grilloismo são pois uma revolta contra os políticos profission­ais. Trump não está apenas a tentar candidatar- se à presidênci­a contra um democrata; ele está a concorrer também contra a instituiçã­o do seu próprio partido. Os seus apoiantes estão revoltados com os compromiss­os assumidos em Washington entre os dirigentes republican­os e democratas. Para eles, a cooperação bipartidár­ia não é necessária para a governação de um país grande e diversific­ado; é uma forma de corrupção.

Foi por isso que votaram há cinco anos em políticos do Tea Party, que preferiam uma paralisaçã­o do governo a um acordo negociado com os democratas. E é por isso que apoiam um truculento espalhafat­oso como Trump.

Mas, sem compromiss­os, uma democracia torna- se ingovernáv­el. Os EUA correm, agora, o grande perigo de isso acontecer. Mesmo que Trump não venha a ser o próximo presidente.

Quer sejam ou não bilionário­s, eles partilham uma hostilidad­e agreste para com as elites, das quais se sentem socialment­e excluídos

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