Diário de Notícias

Medo deixa crimes de ódio sem denúncia

Ministério cria Grupo de Trabalho para crimes por motivos homofóbico­s, raciais ou religiosos para funcionar até 2017

- F I L I PA A MBRÓSIO DE S OUSA

Um pai que no ano passado agrediu o filho já com 25 anos dentro da própria casa quando se apercebeu da sua homossexua­lidade. Um gay que ao passear na rua, sozinho, e em plena Baixa lisboeta, levou um empurrão que lhe partiu o braço seguido de um “vai para casa ó paneleiro! Metes- me nojo!” Casos como estes preenchem as ( poucas) estatístic­as registadas em Portugal.

Os chamados crimes de ódio – em que as vítimas são escolhidas em f unção da raça, religião ou orientação sexual – ainda são oficialmen­te poucos: 426 denúncias recebidas pelas associaçõe­s no ano passado, que perfaz uma média de um por dia. Mas, desse total, apenas 7% dos casos foram efetivamen­te denunciado­s às autoridade­s competente­s: polícias ou Ministério Público. A juntar- se a estes dados – recebidos pela ILGA Portugal ( Intervençã­o Lésbica, Gay, Bissexual e Transgéner­o) – há ainda o registo de apenas 23 queixas na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima ( APAV ). Mas estes casos oficiais estão longe de representa­r a realidade. “Há ainda um longo ca- minho a percorrer, tal como nos casos de violência doméstica há umas décadas mas que agora já está no bom caminho”, explica Paulo Côrte- Real, líder da ILGA. “O que mais me preocupa são precisamen­te estas poucas denúncias face aos casos que conhecemos. Porquê? Porque há ainda um medo e uma desconfian­ça face à forma como as autoridade­s policiais l i dam com estes crimes”, desabafa Paulo Côrte- Real. Os dados reportam a 2014, rondando a percentage­m das não denúncias no ano imediatame­nte anterior os 96%.

O caso de José de Carvalho, dirigente do PSR, morto em 1989 na Rua da Palma, e do cabo- verdiano Alcino Monteiro, em 1995, violentame­nte agredido e assassinad­o no Bairro Alto, ambos por um grupo de elementos neonazis, acordaram a sociedade portuguesa para esta realidade. Mas desde ent ão “t em havido uma evolução muito lenta na prevenção e punição”, explica.

Para tentar acabar com este statu quo, o Ministério da Justiça pu- blicou nesta semana o II Plano para a Igualdade do Ministério da Justiça ( MJ), que prevê a criação de um grupo de trabalho composto por elementos da Direção- Geral de Polí- tica de Justiça ( DGPJ) e da Polícia Judiciária ( PJ) “com intervençã­o no domínio dos hate crimes”, conforme se pode ler no documento, a que o DN teve acesso. E que será para exercer funções até 2017. Porém, contactado pelo DN, fonte oficial do MJ não se mostrou disponível para esclarecer quais os objetivos deste grupo.

Um dos técnicos da APAV explicou ao DN que, em Portugal, a realidade nada tem a ver com os crimes mais graves. “Casos como o do Alcino Monteiro são muito raros. Os registos mais comuns são de insultos e agressões físicas. Embora algumas agravadas”, explica. Para novembro, a ILGA prepara uma linha direta de acesso via net de forma a que as vítimas possam fazer as denúncias. “Uma ferramenta que poderá permitir o aumento das denúncias”, concluiu Paulo Côrte- Real.

Apenas 7% dos casos terão sido denunciado­s às

autoridade­s

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