Diário de Notícias

Estado falha na proteção de bebés de toxicodepe­ndentes que não vão às consultas

Mãe que fugiu do hospital onde deixou os filhos gémeos teve gravidez sem acompanham­ento, o que impediu medidas preventiva­s

- RUTE COELHO

A mulher de 38 anos, toxicodepe­ndente, que fugiu do hospital de Vila Real no domingo de manhã, tendo ali deixado os dois gémeos recém- nascidos, foi ontem localizada pela PSP em Chaves. Este caso é mais um entre muitos a denunciar uma falha gravíssima do sistema: “Quando estas grávidas toxicodepe­ndentes não têm uma gravidez vigiada, ninguém sabe de nada. Logo, não são sinalizada­s durante a gestação”, explicou ao DN Teresa Espírito Santo, da equipa técnica da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco ( CNPCJR).

Significa que os fetos ficam expostos ao perigo sem qualquer proteção do Estado. “Muitas vezes estas mulheres deslocam- se aos hospitais já no limite da gravidez e com medo dos riscos para a saúde. Só então é que os núcleos de proteção de crianças e jovens em risco dos hospitais sinalizam os casos para os serviços sociais e, se for necessário, para o Ministério Público”, adiantou a técnica.

Teresa Espírito Santo, que já esteve à frente da CPCJ de Lisboa Ocidental – que estava em articulaçã­o com todos os hospitais da capital –, assegura que “estas situações aconteciam todas as semanas nos hospitais. Mais grave é quando estas mulheres levam os filhos com elas na fuga”.

Foi o que aconteceu no hospital de Faro no dia 25 de julho quando uma mulher de 28 anos, toxicodepe­ndente, deixou a unidade poucas horas após o parto, com o bebé escondido numa mala. A criança sofria de síndrome de abstinênci­a neonatal devido à toxicodepe­ndência da mãe, tendo ficado privada dos cuidados de saúde durante cinco dias. Maus tratos pré- natais é crime “Estar a pôr uma criança em perigo antes de ela nascer configura o crime de maus- tratos pré- natais”, explica Teresa Espírito Santo. A técnica defende uma “maior articulaçã­o entre as unidades de saúde, os serviços sociais e as juntas de freguesia, pois é o poder local que mais informação tem nestes casos”. As comissões de proteção de menores só podem intervir depois do nascimento dos bebés. Após a fuga da mulher de Vila Real, a CPCJR local promoveu logo a medida de confiar as crianças aos cuidados do centro hospitalar da cidade transmonta­na.

A análise penal caberá ao Ministério Público do Tribunal de Família e Menores. No caso da mãe de Faro, essa ficou indiciada pelo crime de exposição e abandono, impedida de estar so - zinha com o bebé e restringid­a a visitar a criança no hospital apenas quando acompanhad­a por um enfermeiro ou pela assistente social. O caso da mulher de Vila Real tem contornos diferentes. O Ministério Público ( MP) não chamou a Polícia Judiciária do Porto a abrir uma investigaç­ão, por a situação não preencher os requisitos do crime de exposição ao perigo ou abandono. “Esta mãe deixou as crianças no hospital, onde não correm perigo. Não as abandonou na rua nem num caixote do lixo como aconteceu noutros casos. É difícil ver aqui a conduta criminosa do crime de exposição ao perigo ou abandono”, adiantou fonte da PJ. A pedido do médico que acompanhou a grávida no hospital de Vila Real, preocupado com o risco de vida da mulher, que sofreu graves hemorragia­s durante o parto, a PSP localizou- a ontem, como confirmou fonte oficial da polícia. Agora que está identifica­da será feito o registo de nascimento dos bebés. A guarda das crianças será decidida pelo Tribunal de Família e Menores. O hospital de Vila Real confirmou ao DN que as duas crianças estão “clinicamen­te bem” e continuam “ao cuidado do hospital”.

Casos só podem ser sinalizado­s quando grávidas são vigiadas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal