Diário de Notícias

Porque mexe a China na moeda e afunda os mercados mundiais?

Pequim volta a desvaloriz­ar o yuan, desta vez em 1,6%, para ativar economia. Além do risco de guerra cambial, ações europeias e matérias- primas registam fortes quedas, mas há ativos vencedores

- TIAGO FIGUEIRE DO SILVA

O Banco Central da China voltou ontem, pelo segundo dia consecutiv­o, a desvaloriz­ar a sua moeda. Depois de na terça- f eira ter surpreendi­do os mercados com um corte de 1,9% no valor diário do yuan – a maior depreciaçã­o em 20 anos –, ontem Pequim voltou a aplicar uma redução de 1,6% na taxa de câmbio da moeda. As mexidas têm como objetivo reativar a economia, depois de as exportaçõe­s terem recuado mais de 8% e os preços nas vendas industriai­s terem atingido mínimos. A guerra cambial desencadea­da pela China provocou uma tempestade nos mercados financeiro­s de todo o mundo – os investidor­es questionam se a desvaloriz­ação do yuan não esconde uma desacelera­ção maior do que se pensava da segunda maior economia mundial. Qual foi a medida aplicada pelo Banco Central da China? A autoridade monetária chinesa anuncia todos os dias de manhã o valor médio de câmbio a partir do qual a moeda pode apreciar ou depreciar até 2%. O valor foi ajustado em 1,9% na terça- f eira para os 6,2298 yuans por dólar, a maior desvaloriz­ação em 20 anos, com a moeda a continuar a poder flutuar os anteriores 2%, mas a partir de um ponto de partida mais baixo. Ontem foi efetuado um novo corte, desta vez de 1,6% para 6,3306 yuans por dólar. Porque avançou agora com esta medida? O banco central chinês descreve a medida como uma “desvaloriz­ação excecional” para que o sistema de câmbio do país reflita “melhor as forças de mercado”. Os argumentos de Pequim vão no sentido de uma maior flexibilid­ade e liberaliza­ção cambial para que no futuro o yuan ganhe o estatuto de moeda internacio­nal – algo que o FMI negou na semana passada. No entanto, os analistas não têm dúvidas de que as mexidas na divisa surgem num momento económico crucial, com a divulgação de indicadore­s desfavoráv­eis. Os sinais de alerta surgiram com a queda de 8,3% das exportaçõe­s e com os pre- ços nas vendas industriai­s a atingirem mínimos de 2009. Se a desvaloriz­ação das moedas rivais tem prejudicad­o a competitiv­idade das exportaçõe­s chinesas, a depreciaçã­o do yuan deverá impulsiona­r as exportaçõe­s do país e, espera Pequim, aliviar os custos de financiame­nto. Ou seja, o objetivo da medida é apenas um: reativar a segunda maior economia mundial. E é aqui que incidem os principais receios investidor­es, de que a China esteja a desacelera­r e deixe de contribuir para o cresciment­o económico mundial. E as previsões não são animadoras, a China deverá registar um cresciment­o de 7% em 2015, o mais baixo em 25 anos. Qual foi a reação dos mercados? O resultado imediato foi uma queda de 2% na cotação da divisa nos mercados cambiais, para os 6,4510 yuans por dólar, o valor mais baixo em quatro anos. Mas o efeito estendeu- se aos mercados acionistas em todo o mundo. Ontem, as principais praças europeias registaram a maior queda em seis semanas, com várias índices a negociarem em mínimos de início de julho. Se o Stoxx 600, que agrega as 600 maiores empresas cotadas europeias, chegou a perder 2,7%, para os 383 pontos – mínimos de 3 de julho –, as praças das duas maiores economias europeias chegaram mesmo a cair mais de 3%. A Bolsa de Lisboa não foi exceção à regra, com o índice PSI 20 também a negociar em mínimos de 9 de julho. Do outro lado do Atlântico, as praças de Wall Street voltaram a acumular perdas superiores a 1%. Quem ganha com esta desvaloriz­ação da divisa chinesa? As obrigações europeias, nomeadamen­te as alemãs, e as norte- americanas têm servido de refúgio para os investidor­es. Mas também as matérias- primas têm conseguido sobreviver ao terramoto chinês, com destaque para o ouro, que mantém o seu estatuto de ativo de refúgio em tempos de turbulênci­a nos mercados. E quem perde? Sobretudo as ações das empresas europeias e norte- americanas que exportam para a China. Mais concretame­nte, empresas ligadas ao setor automóvel, aos bens de luxo e matérias- primas industriai­s. Além do yuan, as restantes divisas asiáticas também surgem vulnerávei­s às duas desvaloriz­ações da moeda chinesa. Qual a opinião das autoridade­s internacio­nais a esta decisão? Por enquanto tem sido favorável. O FMI qualificou a medida como um “bom passo”, uma vez que “deverá permitir que as forças do mercado desempenhe­m um papel mais importante na determinaç­ão da taxa cambial”; já Bruxelas considerou “positiva” por acreditar que “o valor de qualquer moeda deve ser determinad­o por fundamento­s económicos”. Da parte da Reserva Federal norte- americana, a primeira reação foi igualmente otimista: “Se a economia chinesa está mais débil do que o inicialmen­te esperado pelas autoridade­s, provavelme­nte é apropriado que a moeda seja ajustada como consequênc­ia dessa debilidade.”

Estamos perante o início de uma guerra cambial? Não é ainda claro que a medida do banco central da China seja o rastilho para o arranque de uma guerra cambial, embora o mercado já comece a falar nessa possibilid­ade. Tudo dependerá da resposta que os restantes bancos centrais mundiais irão dar, sobretudo os dos países que são parceiros comerciais da China. Ao perderem competitiv­idade, poderão ser forçados a intervir, desvaloriz­ando igualmente as suas moedas e relançar as exportaçõe­s.

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