As incríveis histórias do “Bigodes”
O ex- presidente da assembleia geral Abrantes Mendes, o jornalista Vítor Cândido e o antigo defesa Fernando Mendes recordam Jorge Gonçalves, um dos mais polémicos presidentes do Sporting, que morreu terça- feira em Angola
Excêntrico, polémico e um grande sportinguista. É assim que a maior parte dos que conviveram de perto com Jorge Gonçalves, alcunhado de “Bigodes” por motivos óbvios, recordam o homem que liderou os destinos do clube leonino entre junho de 1988 e maio de 1989, porventura, o período mais conturbado da história de 109 anos dos leões.
Sérgio Abrantes Mendes, presidente da mesa da assembleia geral do Sporting nesses tempos, evocao como “um grande amigo, um homem de carácter e um verdadeiro louco pelo Sporting”. Aliás, na sua opinião, “essa loucura e os problemas acumulados na justiça por causa do Sporting tiveram certamente influência no seu trágico final de vida”. A amizade que os unia não impediu que fosse o próprio Abrantes Mendes a dissolver a direção liderada por Jorge Gonçalves, por falta de quórum.
O ex- presidente da assembleia geral dos leões recorda o rocambolesco episódio de Frank Rijkaard, que foi anunciado como jogador do Sporting em fevereiro de 1988, numa operação que envolveu a multinacional Ecofinance. Mas aquele que na altura era um dos melhores médios do mundo nunca chegou a vestir a camisola do Sporting, pois a Federação Portuguesa de Futebol ( FPF) presidida por Silva Resende, nunca reconheceu a validade da inscrição. “A verdade é que a intenção de Jorge Gonçalves nunca foi que Rijkaard fosse jogador do Sporting. O objetivo, sim, era o clube retirar dividendos financeiros da operação, vendendo- o a outro clube.” No entanto, isso não foi conseguido, pois a venda para o AC Milan ( após um empréstimo do médio ao Saragoça) fez- se por valores entre os 115 e os 155 mil contos, com Jorge Gonçalves a reclamar créditos no negócio, mas a nunca reaver o dinheiro que terá investido. Aliás, Abrantes Mendes garante que o Sporting “ficou a dever- lhe muito dinheiro”. Equipados no autocarro O antigo defesa esquerdo Fernando Mendes, na altura um jovem de 22 anos, sublinha que Jorge Gonçalves “foi um presidente incompreendido, com ideias fantásticas, mas que infelizmente não resultaram”. Os salários em atraso no plantel leonino chegaram aos sete meses e viveram- se situações dramáticas. “Nem todos os jogadores tinham salários elevados e recordo- me que o Ali Hassan passou por uma situação complicada, até porque tinha acabado de ser pai. Valeu- lhe o Carlos Manuel, que lhe emprestou dinheiro. Aliás, ele não foi o único que o Carlos Manuel ajudou”, lembra.
Fernando Mendes tem uma história curiosa que ilustra a excentricidade de Jorge Gonçalves. “Uma vez que fomos jogar a Chaves e ele decidiu parar em Parambos, aldeia transmontana do pai dele e que só tinha sportinguistas. Fomos lá almoçar e a refeição atrasou- se, mas mesmo assim alguns jogadores fi- caram por lá a tocar instrumentos musicais e a confraternizar com a população”, revela. O pior é que o jogo estava marcado para as 15.00 e por isso, com grande atraso, o autocarro pôs- se a caminho de Chaves. “Até tivemos de nos equipar na viatura e chegámos mesmo em cima do jogo”, conta.
O antigo defesa diz como Jorge Gonçalves ia conseguindo ter a equipa consigo, apesar dos salários em atraso. “Nós percebíamos o seu grande esforço em resolver os problemas e ele dizia- nos que as coisas iriam melhorar… Até foi ele que me aumentou o ordenado, mas nunca cheguei a ganhar mais devido a todos estes problemas financeiros”, diz.
Por falar em aumento de salário, Vítor Cândido, ex- jornalista de A Bola e que na altura era igualmente diretor das modalidades amadoras do Sporting, conta mais uma história curiosa. “No momento em que o Oceano renovou contrato, foi ele próprio a aumentar a dizer que a proposta apresentado pelo jogador era baixa, porque ele dava tudo em campo e não merecia ganhar um décimo do que jogadores que corriam muito menos”, revela.
O leão na pista e o sorteio do carro Apesar dos momentos complicados que o Sporting atravessou na presidência de Jorge Gonçalves, Vítor Cândido confere- lhe o mérito de “ter recuperado um clube amorfo e devolvê- lo aos sócios, talvez um pouco à imagem do que se passa com o atual presidente do clube”. Esses primeiros tempos de 1988 foram de esperança, “pois os sócios viram chegar alguém que pensavam ser multimilionário e andava de Porsche e por isso pensavam que seria possível comprar grandes jogadores, as chamadas ‘ unhas’ do leão”. O jornalista recorda que “era sorteado um carro nos jogos realizados em Alvalade e houve outras iniciativas inesquecíveis, como colocar um leão numa jaula, na pista de tartan, durante um jogo com o Ajax das competições europeias”. Vítor Cândido só lamenta “a ingenuidade de Jorge Gonçalves, que o levou a meter- se em ‘ embrulhadas’ que só o prejudicaram”. Mas ficou um amigo para a vida. Agora, pela primeira vez, a 10 de abril, não ouvirá uma voz diretamente de Angola, a dar- lhe os parabéns por mais um aniversário. Jorge Gonçalves era sempre o primeiro…